Eu nunca sei como começar uma carta. Principalmente quando o destinatário é você. Eu queria ter a tua confiança, sabe? Queria ser discreta e irreverente como você. Mas a minha timidez me denuncia sempre que tento modificar meu comportamento. Eu pensei muito em como eu iria te escrever essa carta. Se seria leve e objetiva, costurando relatos por entre as linhas, ou se usaria metáforas e construções magníficas, para impressionar e dar impressão de profundidade. Eu pensei e pensei muito. Eu comprei um livro novo de poesias para ter alguma inspiração, visitei lugares onde viveram os artistas mais sensíveis e criativos a fim de que surgisse alguma ideia. Até me vesti com outros vestidos, me olhei em espelhos diferentes. Mas, na verdade, eu nunca mudei a minha forma de pensar. E optei por usar a sinceridade como minha fonte para falar de você.
Ah, meu bem. Eu vou sentir a sua falta. Pronto. Direto e indolor.
Vou sentir de verdade a ausência de cada pedaço seu aqui. E quando eu me refiro a aqui, eu me refiro à maçaneta da minha porta, ao cobertor da minha cama, aos filmes de Domingo, aos meus cabelos bagunçados de manhã. Eu queria que você ficasse mais um pouco. É um pouco infantil, mas é como a Cinderela: não quero que chegue meia-noite nunca e que nosso encanto se desfaça. Eu sei que sempre fico meio boba quando vou tentar escrever a você. Meu forte nunca foram as palavras, mas sim as emoções. E dessas eu entendo bem. Quando eu vivo as suas histórias, quando me torna uma das suas personagens, uma dessas mulheres que você pinta e borda com paixão, eu vivo. Vivo a indecisão, a passionalidade, o amor exagerado. Vivo o papel de mãe, de amiga, de amante e de eu – lírico. Eu vivo mil vidas por meio da sua.
Ah, os outros me dizem que eu sou um tanto quanto persistente. E romântica demais. Não sei se eles me criticam ou admiram. Parece que em toda crítica há um quê de admiração, já percebeu? Mas deixe isso pra lá. Eu espero que você escreva sobre isso algum dia. Que você me descreva num conto qualquer enquanto estiver tirando o caderno da mochila esperando um trem pra Rússia. Ou quando estiver sozinho num albergue espanhol e vir uma bela moça. Não adianta você me dizer que acabou tudo. Eu acredito em você ainda. E eu não me lembro de ter feito apostas furadas sobre nada. Acredito que você se perdeu um pouco, está confuso. Que talvez a nossa proximidade não tenha te deixado ver outras coisas, outros daqueles mundos que você tanto fala. Você me escreve e me vive também. Vai ver por isso que eu me acho tão parecida com você. Não fisicamente, é claro. Eu sou morena, baixinha, frágil como uma bailarina. Às vezes você me diz que eu sou feroz, altiva, um grande suspense que ninguém conseguiu resolver ainda. E é disso que eu mais vou sentir falta: de você me descobrindo aos montes e me dizendo quem eu sou de verdade.
Me promete uma coisa. Me promete que esse nunca que você usou quando disse que ia parar de escrever sobre mim é passageiro. Um nunca bem fraco, sem sabor de promessa. Um nunca de criança que diz que não vai mais amar ninguém e se apaixona dois dias depois. Um nunca com gosto de mentira e peso de uma folha. Eu não saberia viver mais se você desistisse de mim. Mas, olha, eu vou te esperar. Eu acredito que um dia você vai voltar, vai abrir o caderno de capa vermelha, vai me ler em todas as páginas que você escreveu. Vai me redescobrir e vir com novas formas de me representar. E vai se encantar com a diversidade de formas e tamanhos que eu posso tomar. Vai, mas volta, por favor. E quando voltar, me transforma de novo. Mas antes me dá um beijo de boa noite para eu saber que você está aqui. Vou descansar nessa carta enquanto você estiver fora, meu bem. Com amor, Esperança.