Eu estou voltando. E isso aqui não é uma carta pedindo boas-vindas.
Eu tô voltando pra cidade onde eu nasci. E, sinceramente, não faço ideia do porquê. Sabe aqueles momentos na vida quando a gente percorre o mundo, faz tudo o que queria fazer, vê de tudo, se surpreende, chega ao limite da aventura e da emoção? Quando a gente já passou por amores psicóticos, por festas paradonas, por portas destrancadas, por fogos de artifício, por cigarros de canela e xícaras de chá vermelho? Sabe quando a gente já passou por tudo na vida e descobriu que tinha que voltar?
Eu tô voltando sim. Num avião, num trem, num barco, num conceito. Eu já experimentei de tudo lá fora e senti que o meu lugar é aqui. Não é arrependimento, não. É mais aquela etapa da vida que a gente descobre o significado da palavra lar. Foram 5, 10, 20 anos rodando o mundo. Fiquei careca, virei hippie, aprendi a lutar capoeira. Falei com os filhos de Gandhi, lutei por guerras perdidas, me tornei um guerreiro na arte do equilíbrio. Aprendi a acordar cedo, pegar o metrô e esquecer os óculos em casa. Aprendi a sentir saudades, a escrever cartas e a como ser poeta.
Eu tô voltando num piscar de olhos. Desalmado, insensato. Foi como da primeira vez que parti. Larguei tudo, segui o mundo e convivi por muito tempo com o temor pelas decisões que tomei. Passei por portos e vi o pôr-do-sol mais lindo da minha vida. Descobri que a gente não tem razão nenhuma pra ser feliz. Ser feliz transcende razões, motivos ou circunstâncias. Felicidade é uma coisa tão pequena e tão completa que a gente consegue agarrar junto ao peito por algum tempo e temos que deixá-la ir.
Eu tô voltando como o vento. E como o fogo, a água e a terra. Me tornei mais leve e compreensivo, quase um ermitão moderno. Só não dispenso as pizzas de meia noite e aquela cerveja importada geladinha pra modificar meu modo de vida. Me tornei mais preciso e perigoso como o fogo. Não digo que me tornei letal nem arrogante, mas hoje em dia eu reconheço que aquela chama não deveria ter sido acesa. Não sei se foi o tempo ou o encontro que aconteceu errado à luz das velas. Me tornei mais maleável e dinâmico. Era de se esperar depois de tantas ondas, mergulhos e cordas bambas que encontrei. Me tornei mais firme e inteligente. Finquei meus pés na terra que reconheci como minha e decidi voltar.
Eu tô voltando por você. E essa carta não fala sobre mim. Eu vi de tudo e percebi que agora sim eu sou um homem completo. Eu tô voltando pra criar um novo começo. Aquele começo de 20 anos atrás não pertence mais a mim. Aliás, eu não pertenço mais à história dessa cidade nem da sua vida. E eu já voltei sabendo disso. Resolvi me arriscar mais uma vez, por que não ? Eu tô voltando pra tentar te mostrar que eu aprendi tudo isso, que passei por tudo isso e mesmo assim eu percebi o encanto dos teus olhos. Fosse nos mares mais claros, nas festas mais agitadas, nos melhores concertos ou filmes. Eu tô voltando pra me encantar por você de uma vez por todas.
Eu estou voltando. E isso é uma carta pra você saber de mim.
