Sinceramente.


Não adianta bater na porta. Não estou em casa. Nem no escritório. Nem na praia sul. Nem no café bar da rua de trás. Nem naquele pub descolado do centro. Não estou em nenhum desses lugares mais. Nem estou em você.

Eu sou egoísta. Nunca escondi isso de você e dos outros. Também, tantos anos atuando como um escritor de sucesso e colecionando prêmios, eu só tinha olhos pro meu próprio umbigo. Mentira. Eu tinha olhos pro espelho mesmo. Olhar pro umbigo é abaixar a cabeça e ferir meu orgulho. Mas esse discurso não vem ao caso. O que eu discuto aqui é: como depois de todos esses anos você simplesmente me pega a porcaria de uma mala e vai embora?

Eu me dei conta de que nunca escrevi pra você. Também pudera: eu já devia estar prevendo que você ia me deixar assim. Isso é traição, morena. Daquelas bem grandes que não se faz nem com o pior inimigo. Você me largou e ainda deixou uma carta dizendo que foi procurar a sua felicidade. E que eu te prendia pelos pés nas poucas horas vagas que eu tinha pra te fazer de âncora. Ah, morena, que besteira. Eu sempre te dei de tudo. Inclusive incluí teu nome nos agradecimentos de todos os prêmios que ganhei nessa vida.

E agora você me deixa porque estava sufocada. Porque eu nunca, nem sequer no casamento, escrevi sobre você. Porque eu escrevo sobre todas essas mulheres que eu amo e ainda te peço pra avaliar os textos. Porque você não sabia se enlouquecia de vez ou se sorria. E eu fico onde nessa história? Você devia me agradecer por ter ficado tanto tempo do teu lado, isso sim. Tão morta e sem vida, eu te pintei de todas as cores quando te encontrei. E prometi que você ia ser a mulher mais linda do mundo, não prometi? Promessa cumprida. As suas amigas têm inveja de você até hoje pelas suas roupas, pela sua casa, pelo marido que você tem. Aliás, todas elas leram meus romances. E também escrevi um pouco sobre elas.

Se o problema era eu nunca ter escrito nada sobre você era só ter me avisado. E eu escreveria um livro inteiro de ficção. Ah, me esqueci. Você queria um romance. A única coisa que nunca pude te dar porque não sei escrever sobre meias verdades e mentiras. Mas vai, não era tão importante assim. Você que é sensível demais e sempre pensou demais sobre essa coisa de ser feliz e bla bla bla. E cadê a comodidade na sua vida? Tava tudo tão bem, tão cômodo, tão quadradinho. Não entendo essa necessidade das pessoas não sossegarem quando atingem alguma meta mediana. Vocês sempre querem mais e mais. Malditos sonhadores que não se contentam com meias histórias: querem sempre um livro inteiro com final feliz, ainda por cima.

Mas pode ir. E não volta mais não. Porque a minha casa agora é triste. Fiquei sem história, virei livro sem personagem principal. Você não era apenas a minha âncora: era minha terra, meu agrado, meu livro de consulta criativo. Você era aquela nota musical chata que eu ficava repetindo no meu piano. Isso e um pouco mais de tudo. Curioso como eu nunca entendi porque eu nunca te amei, sabe? Mas agora eu sinto falta. Aquela falta que eu usava como artifício de comoção nos meus livros. Aquela falta que eu usava pra declarar o abismo existencial de alguma personagem. Eu sinto falta de poder te chamar pelo nome. Eu sinto falta do teu nome.

Mas, sinceramente, o grande problema disso tudo é arranjar um nome novo pra colocar nos agradecimentos do novo livro.

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