Não existem modos certos de se fazer as coisas quando elas são erradas por natureza. Uma pena eu só ter aprendido isso depois do terceiro divórcio e de um monte de árvores derrubadas para dar conta da papelada envolvida nele. Mas depois de tanto tempo escondido em relacionamentos fracassados e reconhecendo a cada final que a culpa era só delas, eu resolvi me arriscar numa viagem pela Europa.
Estudei em um colégio anglo-brasileiro. Sei inglês perfeitamente. Mas decidi me pôr no desafio – para não dizer perrengue – de viajar para um país de língua desconhecida. Escolhi a França pelo romantismo exagerado que todos dizem ver nas ruas e pelo meu masoquismo também, admito. Algumas vezes eu me castigo quando me dou presentes. Não gosto de acertar comigo sempre. Gosto de não saber se vou me agradar ou não.
Frio, cappuccino e livros. O combo que eu poderia aproveitar em qualquer lugar do mundo. Mas estava eu naquela ruela de Paris, com um cigarro na mão, tentando me aquecer a todo custo. Bebi mais café, terminei o livro de crônicas mais porre que já li na vida e decidi andar por aí. Parte de mim, vaidosa parte, queria mesmo era desfilar o novo gorro e cachecol pelas ruas francesas a fim de conquistar olhares das belas moças que cruzassem o caminho. A outra parte de mim, estranha parte, só queria andar por aí para ver o mundo. Já que essa mesma parte já tinha entendido que abraçá-lo era demais para braços fracos.
Andando desatento e buscando cada par de olhos que eu encontrasse, constatei algo: Franceses não têm o costume de andar de bicicleta. Pelo menos era o que eu achava antes de ser atropelado em frente a uma galeria qualquer. Meu primeiro impulso foi pensar em xingar o motorista de todos os palavrões que eu conhecia e não conhecia na Terra. Mas foi inútil porque só conhecia meus palavrões em português.
A motorista, no caso, era uma jovem de 20 e poucos anos. Cachos castanhos, olhos de um caramelo brilhante e um sorriso extremamente encantador. Carregava alguns livros sobre História da Arte, pelo o que pude entender. E soltava freneticamente palavras em um bom francês sem que eu pudesse entender alguma coisa. Sorri. Não porque queria, mas porque achava graça em não conseguir xingá-la apenas pela diferença cultural. Tentei dizer algo. Saiu um “oi”. Ri mais ainda. Para a minha surpresa ela sorriu também. Brasileiro ? Só pude dizer sim. Ela me pediu desculpas em português. Disse que pagaria um café para se desculpar melhor. Começamos a conversar enquanto andávamos por uma ruela rústica.
Sophie era filha de um médico francês e de uma escritora brasileira. Era naturalmente francesa, mas visitava a família brasileira todos os anos. Falava com fluência ambos os idiomas e estudava história da arte para tentar entender sua própria essência abstrata. Em uma hora me mostrou o mundo como eu nunca tinha visto antes. Nem em três casamentos, nem em três anos de terapia, nem em muitos anos com livros existencialistas eu entendi um mundo tão bem. Não falo em romance, nem em amizade. Mas ela era surpreendente em todos os níveis.
Para cada pergunta ela tinha uma teoria. E não era uma resposta, era uma teoria sobre o porquê de nos perguntarmos tanta coisa. “Por que o céu é azul? Por que o amor nunca dá certo? Por que meu despertador nunca funciona?”. Ela me fez pensar sobre tudo isso sem me dar respostas. Só conseguia entender que era desatento, que estava preocupado, que andava atrasado. Por isso me perguntava tanto. A cada falta de rumo minha havia uma pergunta sem resposta por trás.
Ela tinha o charme da maturidade e incoerência que toda mulher que sabe o que quer tem. Tinha a sobriedade de um equilibrista e me embriagava de histórias de dormir. Nem o frio, nem o cappuccino, nem aquele livro de merda poderiam ter me feito achar tanta graça de um desencontro como aconteceu naquele dia. Aquelas poucas palavras me fizeram largar meu mundo e querer encontrar o dela. Não por amor, longe disso! Mas por nunca ter encontrado uma mulher tão interessante que me explicasse sobre mim mesmo.
Infelizmente ela teve que ir embora. Sem lenço, sem documento, nem insisti em trocar telefones para contato breve. Simplesmente me esqueci disso pela admiração que sentia naquele momento. Ela cumpriu a promessa de me pagar o café e partiu. Despediu-se cordialmente. Fiquei sentado naquela cafeteria pensando em como o mundo havia mudado em tão pouco tempo. Quando resolvi conhecer as novas dimensões daquele lugar e me levantei, o garçom chamou.
“A senhorita pediu que lhe entregasse isso”. Era a nota fiscal dos cafés. E nela havia o nome, endereço e telefone da jovem franco-brasileira. Atrás da nota, consegui ler uma frase. “Não me pergunte o porquê, só entenda”. Ri mais uma vez. Sorri. Acendi outro cigarro e me preparei para conhecer o universo. Ou, para falar de outro modo, me preparei para ter os meus planetas desalinhados.