Eu pensei em trinta e quatro formas diferentes de começar esse texto, mas acho que a única que contém a sinceridade e intensidade que eu preciso é confessando que te odeio.
Na verdade, te odiei desde o primeiro minuto que te vi, com esses olhos de águas profundas e sedentos por serem redescobertos em meio ao cheiro do teu perfume forte que me embriagou todos sentidos e fez sentir o coração parar por uns segundos enquanto me abraçou em silêncio. Aliás, te odiei por saber que em mim o silêncio grita e por ter sido inteligente o suficiente de não dizer nada tão previsível como “oi”.
Odiei o sorriso largo que teu sorriso me despertou instantaneamente e como logo eu, sempre tão cheia de frases prontas e conselhos sábios não soube o que dizer em todas as vezes em que suas mãos encostaram em mim. Você ultrapassou todos meus escudos – sempre tão friamente e meticulosamente posicionados – e fez parecer que eles nunca estiveram ali: se fez terremoto e atropelou qualquer desculpa que eu quisesse inventar pra não te fazer feliz.
Senti um leve rancor do rumo que a conversa tomou, mostrando sempre e quando que éramos mais que sincronia, se não dois campos magnéticos com intensidades inexplicáveis que tinham um único objetivo de vida: colidirem-se feito imã. Confesso cheguei a pensar que mentias, já que nada no mundo parece tanto ter sido feito sob medida como nós dois.
Mas ninguém consegue fingir pra sempre e finalizar minhas frases e pensamentos não era algo possível de ser premeditado, e aí o coração derretia um pedacinho mais enquanto em meio a elogios, você dizia algo inteligente e engraçado apenas pro meu (nosso) tom de humor entender.
Odiei o misto de intensidade no toque e leveza no beijo, a profundidade no olhar e a pressa no despir-se. Odiei ainda mais quando me pegou no colo e tomou as rédeas do auto-controle que à essa altura, já tratava-se apenas de fingimento. Odiei o misto de suor, saliva e gozo que brotaram em nós feito passe de mágica, revelando a transparência da pressa em ser feliz até então comedida ao longo do que chamávamos de vida antes de nós.
Você me fez sentir invadida, dominada, sem controle e ainda assim, estranhamente feliz e plena, de uma maneira que não me lembrava de ter sido um dia. Eu te odiei por ter me conectado simultaneamente com todos os meus demônios mais primitivos, e ter gostado disso.
Odiei a falta de climão que normalmente fica quando transamos com alguém pela primeira vez: abominei a estranha sensação de intimidade e a naturalidade que a noite se fez clichê e inesquecível a cada minuto que passava, entre pizza de pepperoni e gargalhadas espontâneas. Odiei conhecer tua história, odiei me apaixonar em fazer parte dela enquanto me afundava no seu abraço. Odiei ficar sem graça enquanto você me achava linda de calcinha, camiseta, cabelo preso e cara de sono.
Odiei o fato do tempo ter passado rápido demais e por saber lá no fundo que logo você partiria (e talvez pra sempre). Mas sabe, acima de todo o ódio que senti, acho que odiei ainda mais o susto de quando acordei e percebi que na verdade, eu só odiava mesmo o fato de você nunca ter existido.