[Você pode ler este texto ao som de Gasoline]
A única certeza que tinha quando desliguei o carro na garagem e toquei no primeiro degrau da escada, ainda a caminho do quarto, era que nada seria como na noite anterior. Não seria o mesmo modo de fechar os olhos e tentar pegar no sono, não seria o mesmo jeito de deixá-los abertos e encarar o nada que se projetava no campo de visão.
Uma das coisas mais importantes na vida para mim sempre foi entender ciclos. Início, meio, fim. Nem sempre um justifica os outros ou aparece no exato instante em que não dá para continuar como se está, mas acontece inevitavelmente. Num dia somos uns, noutro dia somos outros. E ainda assim existem coisas que insistem em não passar.
Pensei nisso depois de esbarrar com ela na fila do banco. Parecia tudo bem, parecia tudo certo demais até eu precisar baixar os olhos e fingir que nada estava acontecendo. Tentei botar na cabeça que as coisas já não são assim, experimentei olhar em volta para ver se enxergava alguma coisa lá atrás, mas não consegui encontrar um fim. Saí de lá com uma sensação estranha difícil de explicar.
Quando alguém vai embora de nossas vidas, umas das coisas mais difíceis no meio do turbilhão de acontecimentos é entender em que momento foi que tudo ruiu. Não marcamos no calendário, não conseguimos zerar o cronômetro no instante em que acontece. Nunca é de uma hora para outra.
Meus amigos falam para eu esquecer, o passado não merece tanta atenção assim. Minha família diz que uma hora perceberei qual foi o exato instante em que acabou e o que trouxe a gente até aqui. Mas não é fácil assim. Não existe maneira menos doída de fingir que nunca aconteceu.
Quando desliguei as luzes, lembrei que ainda tinha um pouco dela nas gavetas da cômoda. Arranquei os objetos, coloquei embaixo das cobertas para dormir comigo, revirei cada um deles para procurar o maldito fim que não acompanhou o início e o meio na cronologia. Mas não existia ponto final nenhum ali.
Algumas coisas, só algumas, talvez não tenham sido feitas para passar. Passa o tempo, passa a gente, mas fica alguma coisa que permanecerá conosco enquanto existirmos.
Talvez, também, o amor seja uma dessas coisas.