Nos últimos dias, passei um calor digno de Rio de Janeiro em São Paulo. Nos noticiários, a notícia era a de que o próximo verão vai ser um dos mais quentes desde, sei lá, o fim da Era Mesozoica. Aliás, tenho a impressão de que a primavera se aposentou faz uns anos e o verão está realizando jornada dupla aqui no Brasil. Como se a temperatura ambiente já não fosse presságio bom o suficiente, eis que na virada do sábado (17) para o domingo, o sistema de atualização automática do relógio do meu computador me deu o veredicto: o horário de verão foi instaurado. A estação mais quente do ano chegou.
Ainda que não tenha chegado de fato (a estação em si começa oficialmente só dia 21 de dezembro, esse rolê de horário de verão é uma coisa meio Natal na Leader Magazine), seu espírito já está entre nós. Em breve, teremos diariamente uma bola de fogo gigante queimando nossas nucas com mais força e junto com ela teremos também capas de revista dizendo qual a dieta milagrosa vai te fazer secar sei lá quantos quilos em 24h, notícias ensinando o exercício que vai te fazer perder a barriga em uma semana, youtubers falando sobre qual o suplemento você precisa tomar para não passar vergonha quando tirar a camisa na praia.
Mas vamos direto ao ponto: eu odeio verão. Ok, não odeeeio, mas tenho uma relação bastante mal resolvida com ele. Nunca fui gordo, mas também nunca fui magro daquele jeitinho de quem sai por aí esfregando um abdômen digno de estampar capa da Men’s Health na cara das inimigas. E, na real, parece que no verão dão um megafone para todas aquelas cobranças estéticas que passam o ano todo murmurando pelos cantos. É um monte de “fique magro para o verão”, “perca peso para o verão”, “trinque o abdômen para o verão” que, meu Deus, deixa qualquer ser humano normal constrangido por existir. O mundo inteiro fica gritando que, se sua barriga não estiver negativa, você vai ser a vergonha do litoral brasileiro caso se atreva a achar que pode se refrescar no mar com roupa de banho.
O pior é que todo ano eu também entro nessa pira de “projeto verão” – e coloco minha mão no fogo que emana do sol como milhões de pessoas, em maior ou menor grau, entram também. Não é a toa que as academias lotam conforme o calor vai se aproximando. Essa pressão para entrar em um padrão estético funciona da mesma forma que vários outros sistemas de manutenção de preconceito: a gente nem percebe direito o que está acontecendo, mas acaba deixando a onda arrastar a gente. Quem é que quer ser zoado, ridicularizado – oprimido?
“Ah, mas eu amo de verdade ser fitness, no pain no gain, Pugliesi lifestyle”. Ama mesmo? Ou está reproduzindo um estilo de vida que te foi empurrado goela abaixo desde que você nasceu como sendo a única alternativa esteticamente aceitável? As pessoas deviam começar a refletir mais sobre o que elas fazem tendo como base que vivemos em uma sociedade cheia de regras escritas nas entrelinhas. Padrão de beleza não é lei da natureza, não, tá? Ninguém nasce com a opinião genuína de que gordo é feio e que magro é bonito, a gente cresce vendo, ouvindo e vivendo isso e, então, passa a tratar essa loucura como verdade absoluta.
Não duvido que muita gente se identifique com esse estilo de vida e realmente coloque um monte de fatores na balança, pense direitinho no que está fazendo e sinta prazer em dedicar ao próprio corpo grande parte da vida. Mas eu vejo uma galera que passa horas na academia quase se matando. Sai de lá e conta caloria na hora do almoço, passa o dia inteiro falando de suplemento, tira trezentas selfies exibindo o bíceps (ou tríceps, juro que não sei direito a diferença exata de um para o outro). Não consigo acreditar que isso seja um estilo de vida saudável, levando em conta, é claro, que estou me referindo a uma galera que patina no extremismo. E mais do que do ponto de vista físico, estou falando do psicológico. Não dá para considerar como sendo algo mentalmente saudável a ideia estressante de ficar paranóico com absolutamente tudo.
A galera da maromba que leu até aqui provavelmente deve estar gritando que estou fazendo apologia à manutenção de um estilo de vida prejudicial à saúde. “Pô, o cara está falando que fazer exercícios físicos e se alimentar bem é um problema”. Não estou falando nada disso, mas vamos deixar a hipocrisia de lado: ninguém vira o Arnold Schwarzenegger entrando naquele esquema de atividade física moderada recomendado pelo Ministério da Saúde para não ser considerado sedentário. Vamos comer direitinho, vamos fazer umas caminhadas, mas, pelo amor de Deus, vamos parar de se inferiorizar por não parecer um modelo de cuecas da Calvin Klein ou uma das meninas da Victoria’s Secret quando coloca uma sunga ou um biquíni na praia.
Vou contar em primeira mão qual vai ser meu “projeto verão 2016”: tomar um monte de picolés deliciosos enquanto tento não derreter com esse maçarico gigante também chamado de sol. Enquanto tem gente que vai ficar se matando com o combo academia e dieta suicida, eu juro que, dessa vez, vou fazer um esforço sobre-humano para ficar de boa sem camisa na praia, exibindo minha bela pancinha que divide comigo 24 anos de belíssimas histórias. Fora de forma é uma ova. Estou exatamente dentro de forma – no caso, da minha forma, que é única e exclusivamente minha e que não vou tentar mudar para entrar em um modelo fordista de banhistas. “Projeto verão”, tenho um recado para você: winter is coming.