Sobre as dez mil e uma coisas que eu preciso fazer antes de morrer, eliminei duas neste último fim de semana: a) providenciar um pano de prato com estampas interessantes e b) assistir ao Milton Nascimento cantando com Lô Borges algumas de minhas tão favoritas músicas do Clube da Esquina. Fiquei bastante orgulhoso de mim, primeiro por sentir mais certa toda essa vida de morar sozinho, segundo por ter retornado recentemente de Belo Horizonte (virou até texto!) pra poder reencontrá-la através de música.
Na última sexta-feira, 7, estive no Mendes Convention Center, em Santos/SP para curtir o show da tour “Uma Travessia”, onde o Bituca cantou as conhecidíssimas “Canção da América” e “Maria Maria” e entoou clássicos como “Encontros e Despedidas” e “Fé cega, faca amolada” (nesta última, a mulher ao meu lado gritava direitinho o final de cada verso, ainda que pouco afinada, num simulacro de Gal Costa naquela versão com os Doces Bárbaros – impagável).
A potência vocal de Milton Nascimento – que, sem aparente esforço, tem um ressonante de arrepiar – é impressionante por ela mesmo, e eu já estava emocionado quando Lô Borges foi entrando devagarzinho no palco, vestido casualmente, camisa azul e calça jeans, para cantar algumas pérolas da época de Clube da Esquina. “É lindo, é vasto, vai durar”, pensei, e a memória do show ficou tão impressa na minha cabeça que vim aqui apresentar quatro músicas do Clube da Esquina, em versões de outros artistas, para enveredar neste que é um dos melhores álbuns e movimentos da música brasileira.
Nascido em Minas Gerais o grupo de se juntava lá pelos anos 60 para fazer boa música. Entre eles, os irmãos Borges – Lô, entre eles –, o músico Flávio Venturini, o pianista Wagner Tiso, o próprio Milton Nascimento. A turma se reunia para tocar pelas esquinas da cidade. Lançou álbum em 1972, o maravilhoso e homônimo Clube da Esquina, que você pode e deve ouvir inteiro neste link; e as versões a seguir são inspiradas neste primeiro álbum.
Que até o fim do texto você esteja um pouco mineiro, também – vem!
Clube da Esquina Nº2, por Samuel Rosa e Lô Borges
Mais um “Lô convida” que uma versão. Optei por esta com o Samuel Rosa, parte do doc. “Intimidade – Lô Borges”, de 2008, porque, ainda semana passada, falamos de Skank aqui no ETC. A canção captura todo o espírito do Clube: “porque se chamava moço, também se chamava estrada”, primeiro e brilhante verso, dá o tom poético de aventura de vida, pique road movie, que permeia a maior parte do trabalho do Clube. Saca só:
Me deixa em paz
Também presente artista no coletivo, Alaíde Costa contribuía ao cantar o amor com toda sua sensibilidade – “Me deixa em paz” mostra toda sua voz aveludada, sendo um golpe de tristeza ao peito. Sem gritar, sem chorar – só cantando, mesmo. Salve, dona Alaíde! Em meados dos anos 00, Nina Becker liderou uma versão marchinha de carnaval junto da superbanda carioca Orquestra Imperial. Dancemos:
O trem azul, por O Terno
Num mundo onde há tantas versões da música que já virou até jingle de campanha de operadora de celular, escolher uma única é tarefa difícil – se Elis Regina eternizou a canção nessa versão ébria, e Marjorie Estiano fez isso aqui alguns goles mais sóbria, o grupo paulista O Terno faz essa versão a la Tame Impala (eu sei que vocês gostam de Tame Impala), deixando as “coisas que a gente se esquece de dizer” um pouco mais psicodélicas. Segue esse trem azul, que tem nada de roupa nova e tudo de eterno:
Um girassol da cor do seu cabelo, por José González e Mia Doi Todd
Vira e mexe um artista estrangeiro faz versões de músicas brasileiras consagradas – não precisa ir muito longe para achar Beirut e The Magic Numbers interpretando Caetano –, mas todos deveríamos ter uma dose diária de José González, mesmo que num português para lá de mambembe. Aqui, a dramática “Um girassol da cor do seu cabelo” (existe uma versão secreta desta música, cantada por Rafael Pelvini nos karaokês de São Bernardo do Campo) ganha roupagem praiana, quase reggae, ficando mais leve de se ouvir:
Na próxima semana: Belchior em versões diversas. Ou não!