Uma pia tilintava. Barulho de ondas suaves ao fundo. Uma porta batia ao vento. Telefone alardeava bips de mensagens. Eu, imobilizada, olhava para pontos fixos na parede maculada. Minhas sinapses reproduziam em tempo integral a eletricidade daquele olhar, o som abafado do coração que martelava avidamente e o descompasso da respiração. Prova de que, no momento do ocorrido, eu estava em qualquer outro lugar que não naquele bar. As pessoas falavam, esperavam respostas, me olhavam nos olhos, exigiam sociabilidade. Não se davam conta que eu não estava ali?
Prostrava-me frente a todos tentando ao máximo fingir normalidade, enquanto meus pensamentos liam os dele. Ele me odiava por estar linda. Espumava. E a namorada dele odiava seu descaso. Mal sabia ela que estava transparente. Já eu lia seus pensamentos com clareza indiscutível. Via a cena, sentia. Uma mão estaria na cintura, bem na curva, a outra estaria firmemente posicionada na nuca entre meus cabelos, durante um beijo macio, cômodo e quente. Dali pra frente, deleite.
Essa era a cena, revivida mil vezes por minhas células cerebrais. Mas ele me privou dela. Me privou e me enlouqueceu. Criou um buraco onde em certo momento havia pedaços meus. Um jogo de xadrez estacionado, nunca retomado, logo antes de um cheque mate. Ele criou a ruína, a desgraça do que não foi.
Dizem que a química entre duas pessoas se mede não pelo beijo, mas pelo olhar. Se houver energia no olhar, o resto é certo. Este pensamento me revoltou pelo desperdício! Faltou o ar do respiro, mas meu corpo nem precisava de oxigênio. Precisava do beijo. O respiro era o olhar.
Mas ele me privou. Por convenção, medo, por agir corretamente, por quê? O que faz um ser humano não viver aquilo que sabe que deve? Ele me fez ignorar o correto, só pensar no incontrolável, simplesmente brincou com a minha imaginação, corrompeu minha moral, seduziu cada célula do meu corpo, sugou meu sangue de canudinho. E desde este dia constato que não estou em muitos locais onde as pessoas me vêem fisicamente. E ele? Ele está em uma espécie de jaula entranhada no meu cérebro, que se abre em momentos inoportunos e selvagemente sequestra meus pensamentos, me furtando do presente. Presente este que ele perdeu para sempre…
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Nota do Editor: Alana não é só uma escritora de mão cheia que traz diálogos sobre o cotidiano. Ela também é uma mulher que decidiu buscar a vida dos seus sonhos recalculando sua rota e resolvendo que iria ser feliz a qualquer custo. Para isso, tornou-se uma nômade digital e busca a felicidade viajando o mundo. Lançou seu livro contando sua trajetória e dando dicas pra você que também vive procurando por algo que não sabe o que é ir atrás do que ama. Quer dar uma olhada no livro da Alana? Clica aqui.