O que eu sempre quis dizer aos meus pais


[Você pode ler este texto ao som do de Perfect]

E toda vez que eu tento dizer o que eu penso, você levanta a voz. E nós todos gritamos e ninguém se escuta. Pelo menos em palavras, eu tenho certeza que vocês vão acompanhar meu pensamento, não vão questionar nada até ter chegado ao final e, principalmente, não vão me interromper e nem gritar comigo. Eu não estou fugindo, nem saindo de casa, muito menos tentando deixar uma carta de adeus antes de me matar. Eu só quero que vocês me escutem.

Eu cresci. Você deve ter notado agora que tem que olhar pra cima para falar comigo. E não só em tamanho. Eu também penso, tenho escolhas, desejos, vontades e muitas delas irão contra suas expectativas, desejos, escolhas e vontades. Eu não quero mandar na casa, nem em você, nem em ninguém. Eu só quero poder ter o meu direito de escolha. Mesmo sem saber pra onde ir, o que fazer, o que é ou não melhor pra mim. Você também não sabe. A sua vida não é a minha vida. Suas experiências e seu mundo não são minhas experiências e meu mundo. Eu preciso errar, arriscar, me perder pra me encontrar. Com todo mundo é assim e não vai ser sua superproteção que mudará isso. Mas eu também preciso de um porto seguro, um lugar para onde voltar. O seu tempo de aventuras pela vida passou e você viveu. Agora é minha vez.

Fugir dos problemas ou fingir que eles não existem não são a solução. Me proibir de fazer algo, me prender em casa, não falar comigo por dias, me excluir das atividades familiares, limitar o pouco espaço que já tenho dentro dessa casa – que você grita aos quatro ventos ser sua -, inclusive ameaçando me expulsar daqui – como você já fez 4 vezes – não vão me ensinar lição nenhuma. Eu percebi, depois de alguns anos, erros e experiências que a culpa não é completamente minha. Cresci com a imagem imaculada de que pais que não erram e sempre sabem o que é melhor pra gente. Já achei que tudo de errado pudesse ser minha culpa e você nunca fez nenhuma questão de me dizer que era mentira. Depois de tanto me culpar, eu  percebi que você também erra. Ainda que não aceite, ainda que não assuma, ainda que esconda. Você é tão humano quanto eu e qualquer outra pessoa. Seja humilde para aceitar isso como me ensinou a abaixar a cabeça quando eu estive errado. Eu sou fruto da sua educação. Se hoje eu penso e questiono, foi você quem me ensinou a ser assim. Assim como você me ensinou a não fazer acepção de pessoas por raça, cor, religião ou sexualidade, eu também não sei fazer acepção entre questionar o mundo e questionar meus pais. Não é falta de respeito. É consciência. Deveria sentir orgulho por ter um filho que pensa por si mesmo. Mas você acha isso ruim.

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Eu sou um homem agora. Eu cometi erros e pago por eles até hoje. E cometerei outros. Mas eu não sou mais um garotinho. Não me trate como uma criança, como um moleque, como um menino que precisa de castigo e correção quando erra. Me olhe igual, não por cima. Ofereça um conselho, um abraço. Ou nem ofereça nada mais que seus ouvidos. Mas não vire seus dedos condenadores para mim. O mundo inteiro já me julga, não preciso do seu julgamento também. Você sempre foi muito bom em julgar os outros, mas nunca parou nenhum momento para avaliar suas atitudes, exceto quando a vergonha lhe batia a porta. Você sempre se importou em parecer uma boa pessoa, bom pai, boa mãe, para todo mundo, menos pra mim. Logo eu, que sempre me esforcei para ser um bom filho. Que sempre tentei dar o meu melhor para você. A gente viveu uma mentira. Se eu minto hoje, foi você quem me ensinou. A gente viveu sob condições de suborno, onde eu tinha que dar algo para você, para conseguir o que eu queria. Se eu já subornei alguém, foi você quem me ensinou. Tá vendo como nem tudo é exclusivamente minha culpa? Nós deveríamos estar no mesmo time, não um contra o outro.

Eu levei pro mundo a educação que você me deu. O mundo me mostrou as regras do jogo e eu perdi a jogada, mas estou lendo as regras e aprendendo mais sobre elas, que não são as mesmas de quando você começou a jogar. Eu tenho que aprender a jogar sozinho. E eu agradeço por ter me ajudado até aqui. Podemos jogar e aprender juntos. Mas eu preciso que você se abra para mim, esqueça seu status superior e me dê a mão. O seu papel de autoridade passou. Eu sou livre, você é livre e nosso cordão umbilical foi cortado. Pode doer pra você, eu  não ser mais aquela coisinha que precisava de cuidados e te venerava. Não é um adeus, mas um novo olá. Dê a chance de conhecer a pessoa que me tornei. Existem nuances minhas que você desconhece. Existem histórias suas que eu ainda preciso conhecer. Existe um mundo inteiro que podemos descobrir juntos. Ou que você possa redescobrir comigo. Ele mudou desde que você deixou-o de lado por minha causa. Eu te amo. E eu sei que você me ama também mesmo quando grita que não aguenta mais minhas atitudes. Eu também não aguento as suas. Mas o que é o amor senão aquilo que une as pessoas mesmo quando elas não querem estar unidas. O que eu preciso agora não é de alguém para me guiar, eu preciso de um amigo. Pode ser você?

danielv

 

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