Você acorda e verifica em todos os cantos as notificações que recebe. Todos os cantos do seu smartphone, eu digo. E nem abriu os olhos direito pra acordar de verdade. Essa atividade se torna um propósito: olhadelas na tela ao alcance das suas mãos de minutos em minutos. A frequência aumenta de acordo com a importância das suas publicações e não pretende diminuir tão cedo. E você desliza a tela como se transformasse os dados em realidade aumentada. Desde quando você passou a viver dentro do seu iPhone – ou de qualquer outro modelo de celular que tenha?
É meio triste perceber que os seus momentos em contato com o mundo lá fora dessa tela se transformaram em possibilidades de registros e são desperdiçados a cada fotografia tirada. No intuito de dividir com o mundo seus espetáculos individuais, você se esquece de acordar de manhã e abrir os olhos para o que está bem na sua frente. O entretenimento e o prazer cotidiano são visualizados por telas estáticas, e você se esquece do movimento. Emoções 2.0, traduzidas em imagens, vídeos e legendas compartilhadas com o mundo e esquecidas por você. Ou você vai me dizer que conseguiu apreciar o pôr-do-sol ao invés de trocá-lo por likes no Instagram?
As redes sociais não devem ser demonizadas, coitadas. Nosso uso delas é que deve ser revisto. Eu mesmo, quando mexo no celular, ignoro o mundo ao meu redor. E parei pra pensar, depois de assistir ao vídeo abaixo, que ignorei pessoas, momentos, recordações mentais e sensíveis do que vivi pra poder registrá-las. Ignoramos shows, espetáculos da natureza, o papo do boteco e todo o universo das sensações num único intuito de congelá-lo para o mundo.
Em troca de quê a gente faz isso? Em troca da sensação de aprovação ou conexão com os outros e da desconexão da vida? Pornografia emotiva, eu digo. Transformamos as coisas todas em minúsculas pílulas exibicionistas que oferecemos a quem nos segue no mundo virtual, com o intuito de dizer a eles que somos felizes, que comemos bem, que estamos na praia, que o show tá ótimo. Narradores da vida que somos, geralmente, nos perdemos dela. E continuamos não abrindo os olhos antes de acordar. É como se você perdesse os primeiros passos e palavras do seu filho porque tava muito empolgado contando pra alguém sobre o crescimento dele, e virasse o rosto para olhar pro outro.
Então eu te convido a retornar ao mundo. Uma experiência sensorial de convivência iniciada por um único ato: desligue-se. Sei que as justificativas começam a pipocar, mas cá entre nós, você precisa mesmo checar o seu e-mail na hora do almoço ou nos feriados? Você precisa narrar a vida em tempo real e não pode deixar pra depois? Cuide dos momentos seus como se fossem seus filhos e eu garanto que a narração posterior vai ser mais rica e cheia de detalhes que foto nenhuma poderia descrever. Curta o show, a banda, a música daquele festival sem levantar os braços pra transmitir sons que não existem em pixels. A sua memória funciona muito melhor quando usa seus sentidos pra traduzir o que viu, ouviu e sentiu. Olhe nos olhos de quem tá contigo e crie laços na vida real, não somente teias nas redes sociais. Garanto que os laços são mais fortes.
Esse é um exercício que convido você a fazer e que farei também. Pelo menos, tentarei abrir meus olhos primeiro ao acordar e otimizar meu tempo ocioso nessas redes. Tentando registrar menos e viver mais. Nossos melhores momentos não possuem registros, porque são sensações. Sinta você também e viva menos dentro do seu smartphone.