[Você pode ler este texto ao som de We Remain]
O atraso sempre apareceu pra mim como uma constante natural. Pedir mais 5 minutinhos, enrolar em frente à TV e perder o ônibus antes da escola, demorar pra me arrumar e chegar atrasado na faculdade e outros exemplos ainda mais básicos que já estão entranhados no cotidiano. E que mal tem em se atrasar um pouco na vida, não é mesmo? Não temos controle sobre as circunstâncias do espaço e do tempo que acabam afetando o nosso percurso programado. Mas o problema não reside no outro, nem lá fora e muito menos distante da gente: o problema está bem aqui, na falta do pontapé inicial.
Uma das coisas que tem me perseguido é a expectativa pro futuro. Não me entenda mal, mas sempre fui muito ansioso e programei muito bem os passos que queria dar, aonde queria chegar com eles e toda uma espécie de estrutura engaiolada que me dava uma falsa sensação de controle sobre o tal espaço e tempo. Chegou uma hora – exatamente agora – em que vi essa construção se consumir, chegar ao fim e me colocar na parede: qual vai ser agora? No meu caso, é o fim da faculdade e daquela vida-base esboçada a lápis pra me fazer seguir um caminho ideal (na minha cabeça). Acabou planejamento, acabou estrada idealizada e o tal do futuro é tão incerto que a insegurança vem em forma de suor e dor de barriga das brabas.
Tá bem, mas o que tudo tem isso de futuro, incertezas e tal têm a ver com atraso?
Parei pra pensar nos sonhos que tenho e a maioria pode ser atingida com trabalho duro e disposição. Só que o futuro (esse mesmo, que tá lá na frente) é mais importante agora. Não faz sentido algum, faz? Priorizar algo que ainda nem chegou por medo de se ver perdido numa época que ainda nem foi vivida. E isso resulta em coisas não tão surpreendentes assim: a gente deixa de viver as coisas agora, principalmente aqueles sonhos pequenos, pra fazer outras coisas. Os sonhos vivem atrasados, sendo deixados pra depois, porque cria-se uma ideia de que nunca serão tangíveis. Pior ainda, talvez, seja perceber que muita gente opta pela não realização definitiva deles.
A nossa geração, essa geração dos vinte e poucos (e mais uma galera aí na frente), tem se atrasado no que realmente importa. O atraso não passa de uma inversão de prioridades que resulta numa ação feita antes de outra. É justamente o que a gente tá fazendo hoje, colocando a construção de um possível futuro (talvez pra evitar dores de barriga e incertezas) na frente de coisas mais importantes na vida. É tudo uma questão de desculpa, como vi num filme dia desses. Se me perguntarem 100 motivos pra não fazer alguma coisa, eu os terei. É sempre mais fácil ser conivente com a estabilidade, porque nos causa menos desconforto ficar no terreno que a gente conhece. Se me perguntarem 5 bons motivos pra realizar um sonho é que a coisa toda muda de configuração. Meu cérebro vai entrar em posição de defesa e me impulsionar a pensar nos contras. Meu corpo vai me fazer arranjar uma desculpa, uma bela e boa desculpa, que me prive de mim mesmo.
Se existe um movimento pró-desculpas, eu me oponho. Porque analisando emocionalmente a situação toda em que nos colocamos nas pequenas situações do cotidiano, é besteira pensar que não se deve arriscar. Estacionar no lugar-comum que todo mundo segue é mais conveniente que tentar dar meia volta, parar um pouco e tomar uma decisão – talvez uma única e pequena decisão –, que dê uma guinada na vida.
Não precisa pensar grande demais. Existe sonho que é aprender a andar de bicicleta, mas isso demanda tempo e a primeira pedalada pode ser iniciada com um belo tombo pra desanimar de cara. E ainda há quem prefira a dieta do sonho que nunca vai começar na segunda-feira, por mais que você se prometa.
Eu e você vivemos sempre atrasados e nos esquecemos do que importa. Como o Coelho da Alice, corremos, olhamos pro relógio e nunca nos damos conta de que o planejamento pode omitir partes necessárias de nós que precisam vir à tona por meio dos sonhos. Até conseguirmos sair da inércia deliciosa da nossa fábrica de desculpas, continuaremos nos atrasando pra felicidade. Então vivemos nos trilhos planejados e nos exaltamos ao ver o fim deles, sem notar que esse é um bom momento pra pularmos do trem. Ou não, afinal você deve ter inventado agora alguma boa desculpa pra não fazer isso. Certo?