[Você pode ler este texto ao som de Use Somebody – Matt Beilis Cover]
Se transforma num sopro invisível assim que você encosta os lábios nele. O homem do talvez é o assunto preferido do travesseiro durante as madrugadas. Ele chega às pressas, ou talvez nunca tenha vindo de verdade. Passeia na penumbra do seu quarto como um vulto. Filho ou fruto da sua imaginação sonolenta. Se adultera pra não deixar provas de que um dia existiu. Talvez ele não sinta nada, ou sinta muito por ser desse jeito só dele. Ele se culpa por bruxulear durante os apagões da cidade, mas não se desculpa pelas aparições repentinas. O homem do talvez não tem rosto, mas você enxerga nele as feições que um dia esperou de alguém.
Transita pela casa deixando saudades. E o seu revés é a esperança bonita que essa moça tem nos olhos. Talvez ele largue os sapatos na entrada ou acene no fim da estrada. Desvia e some de vista mais vezes do que você gostaria que ele fizesse. O homem do talvez não é um desses meninos inseguros – e seria bem melhor se ele fosse só isso. É que a maldição dessa vida dele é não poder ficar, nem ser, nem se deixar levar, nem construir alguma regularidade do seu lado e segurar nos seus braços. Talvez ele acenda o seu celular com um nome de chamada, ou talvez você nem saiba o nome dele. E você gostaria muito que ele não deixasse marcas. Mas ele deixa. E deixa a falta também.
Passa pela rua enquanto você descansa a cabeça na janela do ônibus. Você desce correndo pela Paulista e já faz alguns anos que ele não passa por ali, não é mesmo? Nem no Rio de Janeiro, nem em Paris. O homem do talvez estudou cartografia demais e desenhou um mapa que você nunca conseguiu decifrar, ou talvez ele só tenha se escondido dele mesmo. Talvez ele se sinta sozinho e não saiba compartilhar solidão, ou talvez ele não tenha compreendido a imensidão do vazio que ele é dentro da sua cabeça. O homem do talvez poderia ter sido algum astronauta e você teria visto sua viagem à Lua, mas, por acaso ou travessura, fez você cair num buraco negro sem fim.
O homem do talvez é o seu apelo infundado. Sem condições substanciais de se criar no mundo real. Dispensa as leis da física e ocupa memória, tempo e forma sem estar lá de verdade. Tão sem forma que nem você mesma se lembra das feições exatas ou das dimensões do corpo dele. Tão distante que tudo o que sobra é um eco do que poderia ter acontecido se a voz dele atravessasse a sua porta e chegasse aos seus ouvidos. Tão confuso que não se distingue os olhos e os sorrisos porque ele ficou guardado nas sombras de algumas noites mal dormidas. O seu homem do talvez é como acordar de um sonho bom e ir perdendo os fatos aos poucos por armadilha da lembrança.
Ele é todo homem que passou como um borrão bruto por você. Um cometa sem destino. Uma estrela cadente que não oferece pedidos. O homem do talvez é uma história comum de um homem com quem você já topou por aí, com certeza. Ou, talvez, não.
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