[Você pode ler este texto ao som de I won’t let you go – James Morrison]
Nunca gostei de muffin de banana. Aliás, eu nunca gostei de nenhum daqueles bolinhos malfeitos da cafeteria que você gostava de ir. Mas eu te levava só pra ver você sujando os lábios do chantili. Pra ver seus dedos se sujarem do sorvete ou da calda do brownie de avelã e poder olhar pra você levantando a mão len-ta-men-te até a boca.
Você nunca soube que eu tinha um lugar preferido ali – e só era preferido porque era nosso. Que o sol batia levemente no seu rosto e que parecia sempre a primeira vez que eu te via quando o seu rosto se iluminava e você levava o dedo sujo à boca. Que você parecia uma criança feliz e que toda insegurança do mundo ia embora naquele momento.
E nem era nada demais. É só que o mundo com você era mais seguro.
Eu gostava mais dos cinco minutos com você na cama. Dormindo mesmo. A sua mania invasiva de colocar o peso das pernas – e não o do mundo – em cima de mim era reconfortante. “Você nunca vai estar sozinho” era o que o seu corpo me dizia. A respiração pesada e nada ritmada me deixava assustado e eu já passei noites sem dormir pra garantir o seu sono bom.
E nem era nada demais. É que você era meu sonho bom, e eu nem precisava estar dormindo pra isso.
Quando a gente discutiu sobre a minha música favorita dos Beatles, ou sobre a calça amarela que eu iria usar em alguma festa, ou sobre o tamanho da sua roupa e a cor do seu cabelo naquela idade, eu só sabia discordar. É que você precisava sempre de um contraponto pra argumentar comigo, e me mostrar que a sua inteligência teria me atraído ainda que eu não pudesse ter visto nenhum dos seus sorrisos – o que seria uma pena. Eu te deixava irritada porque, na verdade, eu sou um garoto de doze anos num corpo de um homem. A barba é só disfarce pra não entregar de bandeja que você me desorienta. E que não tem manual de instruções – nem meu, nem seu – que dê jeito nessa desconstrução de rotina gostosa que a gente tem. Ou tinha.
E nem era nada demais. É que com você eu sou eu e mais mil outros eus.
Que é pra te agradar e te contrariar. Pra tentar ser tudo o que você precisava em mil e uma noites. Que os meus melhores textos são sobre você – e que as minhas maiores confissões envolvem o que é nosso e o que ninguém mais sabe. Nem você mesma. Você nunca soube que eu matava as saudades te guardando em caixas. E que o meu armário era montado com partes do que a gente foi e viveu. Que eu sei o seu cheiro de cor e salteado. Eu sinto de vez em quando no meu quarto. Mesmo que você não esteja lá.
Você nunca soube que eu sempre te trago pro presente. E não há passado que realmente tenha passado e te deixado pra trás. Que a minha linha do tempo só trata de você em modos únicos e imperativos. E que não há pedido ou ordem que tire o seu lugar suspenso do tempo na minha história. Que eu te resgato em tudo: desde as fotos aos cheiros. Desde as cartas que eu escrevo, empilho e não envio. Desde os sorrisos repuxados pelos cantos, espaçados no acaso, que são mais involuntários do que aquilo que eu sinto por você. E cada sensação minha tem um pouco de você. É que você sempre me deu nó.
Um dia você me perguntou “como vão falar de amor sem mencionar nós dois?”. E me disse que eu nunca chegaria a uma definição exata – nem parcial – de definição alguma.
O que você nunca soube é que eu escrevi essa carta pra falar de amor. E acabei não achando um jeito melhor do que falando de nós.