Nunca soube dar um nó na gravata. Essa coisa me aperta o pescoço e me faz sentir sufocado. Nem de frente pro espelho eu acerto um nó. E que gravata é essa que ela me deu? Vinho. Falta terminar uma taça ainda antes de sair. O colete não combina com o resto do paletó, mas que se foda. Meu cabelo não anda lá grandes coisas, mas pelo menos fiz a barba. Ela não gosta de sentir arrepios. Nem no rosto, nem no corpo. Acho que isso explica muito sobre como são as coisas que ela vive e os presentes que me dá. Uma gravata ou uma coleira. Ela só quer saber que está no controle da situação. Custe o que custar. Quem paga por isso sou eu.
O problema é que não tem espelho ou gel de cabelo que me façam parecer melhor. Eu sou sempre a velha cópia arrumada que sorri pros amigos dela, e que a leva pra casa em segurança. O velho amigo das noites de insônia. O único telefone ligado nas madrugadas da cidade. E essas olheiras não são de trabalho, nem de preocupações. São todas por conta dela. Que divide a cama comigo, a janta comigo, a tela do cinema comigo. Mas não se divide. No fundo, eu me sinto como um daqueles garotos de aluguel que são pagos para fazer companhia. Só sentar e conversar e acabar com a solidão dela. Só atender o telefone e sair. Sem tocar nos assuntos ou nas resistências dela. Sem mexer nas feridas ou nas cascas dela. Eu sou um amante indolor que ela escolheu pra passar o tempo. Eu mendigo um espaço num quarto-e-sala da sua vida pra não faltar carinho. Ou você acha que eu pediria açúcar uma vez por semana à toa?
Sorria como se você quisesse isso, repito. Mas sou amador na atuação. Não tem mais choro que resolva, não tem mais buquê que dê jeito, não tem mais nada que se possa fazer. Ela me aluga – e mal sabe que se espalha feito erva daninha pelo meu peito. Encrustada em cada uma das vísceras. Ela não liga pra minha dor e perfura fundo as minhas entranhas para se instalar ali. Já disseram uma vez que ganha mais quem tem o poder. Quem ama mais só tem a culpa e o consolo da companhia. Não é justo comigo. Mas com amor é mais caro. E é assim que eu pago o preço de estar ali. Não tem mais coração quebrado ou briga de madrugada. A hemorragia sentimental já atingiu níveis alarmantes. Eu já tive um AVC emocional e ela nem ligou. É que ela não paga por isso. Paga só pela parte social. A minha parte – de verdade – ela descarta. Sem saber que. Não tem jeito. É dela.
E faz do jeito que bem entender sem nem me visitar. Enfermo ou inferno, tanto faz. Se perguntarem por aí, ela diz que acabou. Assim, sem dor nenhuma. Sem cólera nem complicações. Se perguntarem como eu vou, ela diz que eu fico. Sem nem pensar duas vezes. Dizem que eu vou sobreviver. Que a gente sempre consegue sobreviver a quem ama menos. Mas não garantem a recuperação total sem sequelas ou cicatrizes. Os médicos me perguntam o peso e eu digo que é muito. Que dói as costas. Que quebra os ossos. Que prende à cama. E homem não chora. Só pode ser mesmo uma infecção no canal lacrimal. Mas terminou. Sorria como se você quisesse isso. Não tem mais dor. Não tem mais nada. Em coma induzido pelo abandono. Com uma placa de aluguel atravessada no peito.