Você já começa sem formato. Tu assume um formato que entra em sintonia com o meu corpo, guria. Essa tua forma meio volúvel que se adequa às minhas curvas e me deixa inebriado com a proximidade e com o peso da tua respiração leve por cima do meu ombro. Mas vai devagar, menina. Eu sinto um gosto e um apreço tremendo por sentir cada pedaço do seu corpo. Até quando você passeia com os dedos pela minha barriga-fora-de-forma e me faz cócegas. Eu me assusto de pronto e você acha graça ao invés de me provocar risadas. É que a gente se ama ao contrário.
A gente não é uma história de amor daquelas “boy meets girl”. Essa, na verdade, não é uma história. Mas tem amor e histeria. Tem um pouco de cólera graciosa e tem a gente. Tem o meu violão, a tua pinta engraçada na coxa esquerda, a minha barba falhada e o jantar que a gente faz junto de vez em quando. Não tem acrobacia na cama porque a gente não precisa disso. A gente já faz malabarismo com os problemas, com as faltas, com o mundo e com coisa demais.
É bacana isso de ver como todo mundo gosta de dizer que homem não se apaixona. Se eu quisesse só sexo contigo, eu não te devoraria. Se eu quisesse só brincar com o teu corpo, eu não faria dele tempo. É, tempo. Porque o meu relógio é o teu movimento enquanto a gente tá junto. Se você deixar, eu fico aqui até completar a eternidade e vai ser um minuto. Ou você pode levantar, me espantar do teu corpo e eu vejo que passou uma hora. Tu quer mesmo que eu me justifique racionalmente e invente desculpas por gostar de você?
Tu é uma dessas mulheres que a gente define como raridade. Teu cabelo é da cor do delas, o teu sorriso também parece com o delas e até alguns outros aspectos são tão comuns. Mas tu tá comigo, meu bem. É no teu peito que eu me encontro quando o mundo desaba. É na tua voz que eu expresso um pequeno esboço de sorriso quando eu olho pro celular. É contigo que o coração acelera e pulsa mais rápido quando alguém diz que te aconteceu alguma coisa. É contigo essa coisa de olhar pro lado e admirar quem tá ali. Porque tu podia ter ido embora e não foi. Porque tu podia ter rejeitado o convite, ter enjoado da vista, ter encontrado gente mais bacana e não foi. Eu sinto isso por você. E isso a gente diz que é o nosso porque amor se esgota. Isso não.
Cê podia ter sido a mulher da minha vida e você escolheu não ser. Cê preferiu ser a minha parceira, a minha amante, o meu monstrinho malcriado que vira uma completa bestinha linda quando vê uma criança na rua. O que a gente tem é coisa de pele e coisa de química. Mas não fica só aí. Essas coisas morrem assim que chega o tédio do Domingo e a gente é obrigado a olhar um para a cara do outro, com ou sem assunto. A gente dá nosso jeito de se encontrar no escuro, de se abraçar na distância, de falar algumas coisas em silêncio. E cê meio que me encanta todo dia quando canta pra mim quando eu sofro da insônia. A tua voz ecoa, sabia? Não por causa da acústica do apartamento, mas é que a tua voz me faz pensar em tudo que o mundo diz que não existe. Tu é minha, guria. Por vontade própria. E é por isso que você é ideal. Sem aquela ideia de perfeição furada. Cê é ideal pra mim e eu nem sei se eu sou pra ti – mas eu não ligo, tô contente e me contento assim.
Mas vai devagar, meu bem. Porque eu posso ficar te respirando aqui o dia inteiro e você não vai cansar, prometo. Deixa o sexo para depois que o que a gente tem agora é mais gostoso. É mais explícito e mais intenso. A gente expõe que a gente gosta. E isso é perigoso pro mundo. Vai ver é por isso que eles nunca tiveram coragem de admitir que homem se apaixona. Vai ver é por isso que eles nunca escreveram uma carta à mulher ideal deles. Mas deixa estar. Eu gosto do perigo que a gente representa pro mundo.