pra lembrar da saudade.


deixei a tua mesa do jeito que você deixou. partidas só não me incomodam mais que caixas. acho que não suportaria tantas caixas na sala de uma vez. vai uma e eu fico, vão duas e eu vou junto. eu sou meio que a medida do que dói e do que fica. essa semi-dor é aquela coisa pequena que ninguém vê, mas que palpita primeiro e depois explode. explode quando toca o rádio e quando cai o sol. explode quando o filme é sutil demais e me deixa pensar por onde você anda e por que eu decidi trocar você de lugar. o nosso amor desandou na viagem da casa. e a gente se esquece disso quando bate a saudade.

eu me lembro do bom e do resto. mas a saudade só se lembra do bom. saudade é fotografia viva na minha parede. não mancha nem com o vinho que eu atiro nas noites de loucura. não desbota nem com a fogueira que eu faço quando a loucura me domina. não se esquece nem quando a nota musical grita um lá… quando eu me lembro de você é sempre dó e o violão parece chorar comigo. mas eu entendo. no fundo todo mundo entende e não quer aceitar o clichê. é que não tinha mais como ficar aqui. melhor guardar essa saudade do que viver a falta todo dia. a nossa falta era diária e o diário foi ficando pesado.  e quando eu decidi rasgar as folhas dele, decidi mudar o meu modo de escrever sobre a gente. mudei a minha gramática e as minhas regras de escrita. abandonei as maiúsculas e as nossas reticências vazias de significado. mudei de lápis, te tirei da estante e fechei a porta. mas a tua mesa continua ali, do mesmo jeito. só que com saudade.

eu vivo de saudade. saudadinha da vovó que não me visita mais e nem me dá a opção de ir visitá-la. saudadinha de ser chamada de “minha menina” pelo papai nos domingos. saudades de usar aquela saia vermelha xadrez que eu ganhei quando falsifiquei meu boletim na escola. saudadonas daquele filho que a gente quase teve se não fosse pela pílula do dia seguinte. saudadonas de você aqui no quarto rindo tanto quanto eu dos absurdos dessa vida. mas você tinha que ir porque é assim que as coisas são. as pessoas sempre vão. uma hora ou outra chega a hora de serem desalojadas ou de perceberem que o seu lugar não é aquele. no nosso caso, o seu lugar não era aqui. mas eu fico. saudade sempre fica. é a única coisa que nunca vai embora.

e você sente saudade? saudade de quê? ela tem um quê de mim ou esse meu sorriso meio esperançoso é coisa só minha ainda? ah…deixa pra lá. a gente sempre deixa. eu deixo o vinho na sua mesa quase toda noite. mas não quero que você volte. não…a gente tá melhor assim e você pode não saber. mas eu sei e gosto disso. gosto dessa saudade que virou meu norte. essa minha saudade que é diferente das outras e não se esconde. é saudade que sorri pros outros e sorri pra vida. é saudade boa que fere um pouco e retoma a noite. saudade de apego com um sentimento de nunca vou te abandonar. me conforta. me faz sentir como se eu tivesse escolhido o melhor de você e vivesse cada dia lembrando um pouquinho de como foi me apaixonar por esse seu lado B. é, moço… você foi e foi bom. foi bem. a nossa viagem de casa anda melhor assim porque antes nem andava.  e eu aproveito pra brindar com quem me entende e não faz falta. com quem me leva, me dá alento, me devolve o sono e me faz abraçar o travesseiro mais ternamente. e enquanto eu te falo sobre essas coisas, o vinil dança e dita o ritmo da minha companhia. veja bem, meu bem…arrumei alguém chamado saudade.

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