[Você pode ler este texto ao som de Skinny Love – Birdy]
Você não entende o desespero e os tremores que eu tenho tido. Meus remédios controlados estão acabando junto com o nexo que eu ainda tenho ao juntar as palavras. Os rostos da televisão riem e sorriem e choram junto comigo. Mas nenhum deles sente a minha dor. Mesmo a mocinha que perdeu o amado não sente a minha dor. Nem a própria dor consegue sentir a minha dor. Acho que é tudo fingimento dela. Dor, amor. Essas rimas nada raras que a gente encontra por aí em músicas e textos que servem pra gente refletir sobre alguma coisa. Mas o meu desespero não consegue me deixar refletir. Ele me reflete e mostra o meu rosto acabado por cada espelho que eu me vejo. A dor bate na gente e a saudade complementa. Mesmo que eu ainda tivesse meus vinte anos de idade, essa dor transpareceria. Sou transparente até quando eu sofro.
Uma hora você volta. Eu sei que volta. Mesmo que tenha que dar a volta ao mundo e se perder por aqui de novo, você vai me encontrar. Quem sabe eu já não esteja velhinha, caquética e completamente inútil para o amor. Mas eu fui feita assim: a decepções. Não entendo como suportar essa coisa de ter vocês dois longe de mim. Essa coisa de gritar para todo mundo e ninguém poder me ouvir. Pouca gente sabe como a garganta arde e o coração acelera quando eu grito. E o meu grito é forte, cheio de bravura e coragem. Acho que me encontrei no medo da casa vazia e fiz disso abrigo. Me tornei mais do que eu mesma pra cuidar de mim. Sou mãe de novo para cuidar de mim – e só você sabe como dói pronunciar essa palavra sem sentir um corte profundo no peito e um belo tapa na cara marcando os cinco dedos nesse meu rosto branco.
Eu sinto falta daqueles cabelos ruivinhos dele, meu bem. Das sardas e de como os amiguinhos adoravam brincar com ele no jardim. Eu sinto falta do quarto cheio e de me lembrar dos sorrisos dele quando você contava alguma piada boba. Hoje em dia é só falta e mais falta e a falta que a falta faz. É tanta falta que eu já não consigo mais ser inteira. Sou sempre metade e me divido a cada fotografia que eu vejo de nós três. A dor de chamar o meu menino e o grito ecoar pela casa assim como todo outro barulho que projeto aqui dentro. Eu acabei aqui, trancada dentro de mim mesma. Mas você lembra daquele dia, não lembra? Era uma sexta-feira qualquer que ficaria marcada pra sempre na nossa vida. A gente nunca desconfiou de que o passeio da escola fosse acabar assim. Sem retorno. Senão você teria dado um abraço mais forte e um beijo demorado, meu bem. Eu sei. Eu tive tempo de dizer pro meu menino o quanto eu o amava, mas você saiu cedo naquele dia. E logo depois que você chegou, a notícia se fez caos. O mar levou as pintinhas coloridas de vermelho que coloriam a nossa vida. E tudo ficou menos ruivo, menos alegre. Foi o dia do silêncio pra mim. O dia em que eu morri como mãe.
Mas veja bem, já se passou tanto tempo desde que você nunca mais entrou em casa. Acho que você se culpa até hoje por tudo o que aconteceu com ele e com a gente depois. Mas eu te entendo, de verdade. Se ficássemos juntos, lembraríamos dele todos os dias. Seus olhos, meus cabelos. Provavelmente teria a sua barba e o meu gosto aguçado por confusão. E riria como os meus pais. E jantaria como os seus. Mas a nossa decisão foi acertada. Adeus, até logo. Te amo, espero que você fique bem. Não dá mais, você é a cara dele. E fim. Essa pontada do fim ainda martela no meu peito. Mesmo sabendo que seria inútil tentar consertar tudo aquilo depois que o que nos segurava desabou. Não sou triste, meu bem. Eu tenho certeza que uma hora você volta. Nem que seja pra um bom dia, como você está? Nem que seja pra regar as plantas. Você volta e eu volto junto com você. E a gente talvez consiga destrancar de vez aquela porta que nunca mais foi aberta desde aquela sexta-feira.