Antes que acabe o mundo.


Dois mil e tanta coisa pra pensar. Você sabe que a previsão é certa, porém duvidosa. E é esse paradoxo que a faz tão interessante prum ano que está a grãos de areia distante de nós, diminuindo um dos lados da ampulheta e fazendo com o que outro fique cheio de novo. São poucos dias que nos separam de uma nova Era de velhas novidades.

Você vai quebrar a cara mais uma vez e se afundar em copos e mesas de bar, rindo com os amigos até o taxímetro parar exatamente na porta da sua casa. Você vai se descobrir novamente apaixonado e, talvez, dessa vez dê certo com aquela pessoa que você nunca imaginou que estaria ali por você. Você vai conhecer o amor da sua vida e reconhecer no seu rosto um sorriso que você pode chamar de felicidade.

Você vai desistir de algumas pequenas coisas como acordar às 6 da manhã para malhar ou dar aquela corrida em volta da Lagoa. Em compensação, você vai descobrir que comer algum tipo novo de fruta faz bem à saúde e vai adotar novas práticas alimentícias que vão resultar em algum benefício desconhecido ou numa profunda falta de carboidratos. Você vai ser pessimista quando se olhar no espelho e a realidade do otimismo de outra pessoa vai te deixar sem graça quando ela te disser que você está bonito. Aliás, roupas velhas e guarda-chuvas novos combinam muito bem em dias de frio. Você vai se molhar, vai passar tempo demais debaixo do sol, vai ficar vermelho igual um pimentão ou adquirir aquele bronze invejado que as cariocas têm. Você vai ler algum livro novo que vai te fazer viajar e deixar de gostar daquele autor de crônicas preferido que não tem mais graça, nem escreve sobre o que você acredita mais.

Você vai mudar. Mas isso vai depender do que você chama de mudança. Pode ser um corte de cabelo novo que todo mundo vai odiar, mas que vai te fazer sentir o vento como nunca sentiu antes. Pode ser deixar pra trás as fotografias que incomodam e desalojar aquela pessoa que tomou tempo demais da sua vida sem acrescentar nada. Pode ser que você aprenda um nova língua, conheça novos lugares, se apaixone por si mesmo. Pode ser que você conheça um novo tipo de uísque importado, deixe de achar graça nas caipirinhas e largue a sua vida digital por um mundo onde celulares não tocam e caixas de e-mail não lotam nunca mais. Você vai ganhar algum dinheiro e investir tudo em jogos de vido game. Tudo pelo bem do entretenimento. Você vai passar menos tempo em frente à televisão ou descobrir que o pôr-do-sol em HD é mais agradável do que o deslocamento para a praia. Você vai ter notícias boas e algumas um tanto quanto ruins. No final de tudo, elas vão te fazer crescer de algum forma. Mesmo que seja da forma menos óbvia e mais dolorosa.

Você vai viver em um ano em que muita gente vai ter medo de seguir em frente. E muita gente vai exagerar na dose e se descobrir feliz assim. Aquele seu amigo piegas vai tomar um porre, a sua amiga devoradora de homens vai se apaixonar, você vai tirar uns dias pra meditar e descobrir que se parece mais com seus pais do que você julgou um dia parecer. E nunca vai admitir isso, é claro. Afinal, toda a independência conquistada até agora depende única e exclusivamente de você. Você vai viver um ano extremista, onde o fim do mundo vai ser anunciado. E muita gente vai deixar cair as máscaras ou colocar novas que os agradem mais.

Mas, antes que acabe o mundo, você vai descobrir que isso é tudo uma previsão. E previsões só se realizam a partir de alguma ação. Ação é com você mesmo, não é? Agir, pensar, repensar e ver que era melhor não ter feito. Ou, pelo contrário. Mas no fim de tudo (e, principalmente, no fim do mundo) é você quem vai ter dois mil e tantas razões pra fazer o que quiser.

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