Guarda-roupa


Acordei com vontade de experimentar um modo novo de ver você. Cansei daquele teu vestido azul-tudo-está-bem, daquele seu humor inabalável e do seu sorriso carregado o tempo todo. Vou te vestir de outra forma hoje.

Quem sabe um vermelho-não-quero-saber-de-você pra dar um ar de caçada ao nosso romance. Esse vestido te deixa com aquele ar de mulher provocante e inteligente que não precisa de mim pra nada. E que, aliás, não me quer pra nada. Isso vai me fazer achar que é puro charme e eu vou me esforçar pra te conquistar. Vou ler os livros que você gosta só pra parecer inteligente. Vou te dar referências musicais dos seus artistas preferidos pra te mostrar que gosto das mesmas coisas. Vou sentir ciúmes de qualquer amigo teu que chegar perto. Afinal de contas, esse também é o vermelho-não-estou-disponível. Isso me faz sentir como um competidor. A única diferença é que essa roupa me faz competir comigo mesmo pelo prêmio, que é você.

Ah, não gosto desse joguinho de gato e rato. Acho que vou te vestir com um cinza-relacionamento-básico-sem-muita-emoção. Você vai parecer fria e distante e eu vou ser mais carinhoso. Constantemente eu vou me culpar por qualquer ação sua. Quando eu te ligar e você não me atender, vou me preocupar. Quando estivermos juntos, seu olhar vai estar focado em qualquer parte do espaço, menos em mim. Essa roupa vai te dar um ar de romance impossível, de decepção e dor que todo relacionamento um tanto tradicional e romântico precisa. Eu vou provar do mal do século, te colocar num pedestal e me crucificar por não te ter para mim.

Literatura pouca é bobagem. Acho que prefiro te cobrir com um rosa-te-amo-mais-que-tudo-no-mundo. Eu vou te descobrir num barzinho ou na faculdade. Vou me encantar por você e você por mim. Vai ser quase que instantâneo. Meus amigos vão dizer que você está afim e eu vou achar que tudo o que você escreve é sobre mim. Eu vou te conquistar facilmente, enquanto você admite que era tudo que queria. Você vai ser a mulher mais cega de amores do mundo e eu vou me sentir sufocado. Seus amigos vão me chamar de canalha quando eu sair e não der explicações, mas você vai me defender de tudo e todos. Provavelmente acabaremos nos matando. Eu te matando de desgosto e você me matando de amores.

Mas essa história de prosa trágica não dá pra mim. Pensando bem, acho que vou te colocar aquele vestido amarelo-sou-apenas-sua-melhor-amiga com aquele colete preto-poderia-me-apaixonar-por-você por cima. E você vai me ver apenas como seu amigo. Numa noite qualquer, eu vou me declarar e você vai dizer que estou louco. Mas vai pra casa balançada. E eu volto destruído. Você vai perceber que os seus planos foram desenhados à lápis e eu tenho uma caneta. Vou tentar reescrever as suas previsões, vou te fazer a mulher mais feliz do mundo se eu puder. Você não vai entender o que está acontecendo com a sua cabeça. No final das contas, vai entender que eu não sou tudo o que você sempre quis. E isso vai doer em mim. Você vai embora, não sem antes me dar um beijo de despedida. E eu vou me fechar pro mundo, me guardar pro pouco que restar de você em mim. Isso se você não me levar tudo.

Ah, essas divagações que eu faço enquanto você anda nua pela sala. Teu guarda-roupa tá vazio, mas o meu está escancarado. E eu ainda não me decidi com que roupa você vai existir pra mim. Eu sei que, na verdade, nenhuma delas vai mudar o que você é. Mas pra mim faz toda a diferença.

Cada roupa que eu colocar em você vai ser o modo como eu vou te ver e o modo como vou contar sobre você para meus amigos. Por mais que o teu mundo seja nu, independente de qualquer peça de vestuário, eu sou capaz de te vestir de inúmeras idealizações diferentes. Cada peça é uma ilusão de quem você é. Cada peça é alguém que eu quero acreditar que você seja.

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