Let it play


Você deixou bem claro depois da última vez que nos vimos que isso aqui não é amor. Não poderia ser amor pra você, que sobrevive nesse mundo como uma caçadora de auto-estima. Tua fome não é de sentir amor, tua sede não é de buscar algo comigo, tua vontade não é de estar ao meu lado. Em suma: tua dor é de mentira.

Tua dor é de mentira porque você realmente não espera e nem quer encontrar nada em mim. Pelo contrário: você quer se manter intacta e me deixar afundar no navio sem  colete salva-vidas. E eu, que juro todos os dias da minha vida que nunca mais vou te mencionar em qualquer um dos meus textos, continuo escrevendo para a única pessoa que não me lê. E não me lê porque não quer. Passeia os olhos pelas minhas palavras da mesma forma que me dá as mãos. Não vê motivo em entrelaçar os dedos da mesma maneira em que não vê motivo em perceber o quanto eu te cito. E te sinto.

E você acabou me explicando muita coisa que eu não entendia nessa tua covardia cruel. Aparecia, desfazia as malas, adentrava a minha vida com a esperança de que ia arrumar o meu quarto. Fazia dele sua estadia, espalhava as nossas roupas pelo chão e deitava na minha cama. Num dia qualquer, resolvia que aquilo não podia ser teu lar. Pegava tudo e ia embora. E a minha esperança de que você fosse arrumar a minha vida foi destruída sem piedade. Você só me mostrou que podia deixar a minha vida ainda mais bagunçada do que já era.

Não satisfeita, me ligava, não me deixava ser feliz com outra. Bobagem a minha. Você sabia que eu não poderia ser feliz com outra. E abusava disso para se sentir bem nos seus piores momentos. Engraçado isso, mas sempre foram os idiotas, brutamontes, grandalhões sem cérebro que conseguiam quebrar seu coração. Logo você, que sempre exigiu de mim o máximo de intelectualidade e interesse que algum ser humano poderia ter. Vai ver é por isso que eu nunca consegui tocar o teu coração. Porque eu sempre fui o que você me pedia para ser. Eu só mudava em função das suas vontades. Eu larguei as minhas verdades.

Mas dessa vez, você deixou bem claro como funciona o nosso jogo. É fácil assim. Você me vê como um jogador fácil de ser manipulado, que tem algumas cartas altas e outras nem tanto. Eu te vejo como a jogadora que está pronta para levar todas as minhas fichas. Você chega, senta do meu lado, faz um charme e me convida a jogar. Eu aceito o convite só pelo seu sorriso. Você aposta alto que eu não vou conseguir te ganhar. Eu aposto todas as minhas fichas de que você vai mudar um dia. Você joga, eu recuo. Você divide o baralho, pede novas cartas, troca de mão inúmeras vezes. Eu só consigo assistir ao seu show sem saber  o que fazer do outro lado da mesa. Você pede o dobro, eu só peço que você me ganhe. Você me diz para arriscar tudo, eu arrisco. Meu rei não sobrevive à sua dama. Ele não sobreviveria à carta nenhuma sua. E assim você ganha o jogo.

Parece inocente. Mas o preço é alto demais para ser pago. Você só não me ganha, como também leva a minha honra. Nem de troféu eu te sirvo. A tua estante coleciona alguns mais importantes. E mesmo que eu esteja na minha melhor fase, no mais alto escalão de jogadores profissionais… Vai ser sempre outro jogador que vai te interessar mais. Porque a minha mão você já conhece.

Só que, agora, cansei de voltar ao cassino. Cansei desse nosso vício amoroso e de você sempre ganhar esse jogo. Volto pra casa sem fichas, sem cartas, sem nada. Mas prefiro que seja assim. Quem sabe um dia você volte e me apresente um novo jogo. Uma roleta russa, quem sabe. Você sabe exatamente que, mesmo que você perdesse, eu me jogaria na sua frente pra te salvar. E é por isso mesmo que abusa da sua sorte. E rouba a minha sorte, a minha esperança, a minha honra, a minha vontade, o meu caráter, o que restou de mim…

Let it play. E que vença quem conseguir sair primeiro desse ciclo vicioso que me prende a você.

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