Somos feitos pra acabar todos os dias


[Você pode ler este texto ao som de Feito pra Acabar]

Feito para acabar e se desfazer em pó. Foi a primeira coisa que passou pela minha cabeça depois de fechar as portas do escritório e decretar o fim de mais um dia em que nada pareceu especial. Planilhas aqui, uma pilha de afazeres do lado de lá. Consigo adiar para amanhã. Consigo levar com a barriga só mais um tempo.

Pensar que as coisas terminarão em algum momento é uma tortura involuntária que cometo comigo mesmo todos os dias. Não preciso me preocupar tanto assim, logo tudo sumirá num passe de mágicas da minha frente, penso comigo. Logo os pombos saem de cima do corrimão e uma chuva lava o resto de sujeira que ficar. Daqui um pouco a solidão termina também.

Somos feitos para acabar. Todos os dias um pouco. E iniciar de novo na manhã seguinte. E acreditar que desta vez as coisas serão pra sempre, mesmo sabendo que não são. Ou não acreditar que sejam, mas viver como se fossem. Como se o amanhã fosse uma continuação fidedigna de hoje, mesmo que não sejamos os mesmos. Mesmo que tenhamos acabado. E renascido logo depois.

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Demorei longos anos para entender esse ciclo irreparável do dia a dia. Não enxergava tanta mudança assim, não via o universo se mover entre o fim de uma noite e o início de uma manhã. Até perceber que acontece mesmo é dentro da gente. Somos nós quem aprendemos a destacar do montante de coisas aquilo o que mata e aquilo que nos faz sentir um pouco mais vivos no dia seguinte.

Feitos, também, para viver todos os dias. Como se fossem os últimos. Como se o fim da linha estivesse a um passo de distância. Como se o início de tudo fosse logo ali atrás, basta recuar um pouco o corpo para voltar para lá. Como se tudo fosse mutável demais e não dependesse da gente. E não depende.

Feitos para ser imediatos. E deixar de adiar aquilo o que pode ser deixado para depois. Aproveitar todo o tempo possível e o impossível trazer um pouco mais para perto, mesmo que seja só para encostar o dedo. Feitos para aproveitar a vida, sim, e a família e os amigos e os amores e os desamores e o montante de coisas que faz a gente se sentir um pouco mais felizes todos os dias, mesmo acabando.

E acabar. E recomeçar. Como se nada tivesse mudado e o tempo esgotasse logo ali na frente. Como se fossemos os mesmos que éramos ontem, quase sem perceber que jamais voltaremos a ser o que fomos. Nem o tempo voltará também.

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