Como eu fico inseguro (por você)


[Você pode ler este texto ao som de Old Pine – Ben Howard]

Eu jurava que as coisas tremiam ou moviam-se depressa demais, só pra justificar cada topada, cada esbarrão acompanhado de um pedido de desculpas e cada cadarço desamarrado visto em queda livre contra o asfalto.  Justificava cada ato, cada passo, cada pato no parque que aparecia pra me pedir o amendoim que eu nunca gostei de dividir com ninguém. Justificava até as linhas do diário que era pra não conceder exceção à regra alguma, exceção de mim mesmo por aí. Senão eu transformava verso em prosa e deixava os parágrafos que eu rabisco no braço morrerem durante o banho. Mas você, você não veio justificada, em linha, acertada com os ponteiros do relógio da cozinha, nem com os meus ponteiros e mesmo assim tava ali inserida, ritmando as coisas todas do meu dia a dia.

Dá pra parar de me deixar ruborizado com essas maneiras e gestos que me agradam, que me abraçam e que não me pedem justificativa? A gente esquece que gentileza é pior que blush. E que insegurança é o reverso da solidão de quem anda sem as mãos entrelaçadas nas tuas. Poço de secura pra quem ama de longe e ama dentro de uma redoma de vidro, protegido do frio e da chuva é a segurança. E um dia, num almoço ou na praia, eu te explico como são essas coisas todas que eu sinto e que misturam angústia, bobagens, a ponta do seu nariz gelado, o seu queixo meio quadrado e o desastre natural da minha gagueira. É tudo medo de perder as reclamações por conta do sono ou da falta de atenção e deixar a implicância diária de lado por algum motivo.

E você me deixa assim, com o riso escancarado, achando graça de tudo, até dessa gente toda que acha graça de tudo por aí. Eu já nem marco no calendário porque toda segunda e toda terça e todos eles têm um quê de ti. Um quê do perfume que eu gosto e do delivery de japonês. Um quê de desespero porque a bateria acabou e será que ela vai encrencar se eu sumir por duas horas? Um quê de meus amigos querem te conhecer, mas eu entendo a tua timidez. Tem também a falta das justificativas e eu já nem sinto mais falta dessas hobbys todos que me atrasavam os ponteiros. Compensa o tempo – que é relativo e só existe pra me pesar as costas quando não tem massagem tua. Digo, ouço, rio e repito que com você cada abraço vem sob medida, como as minhas formas se adaptassem e os seus ossos usassem algum revestimento de veludo pra justificar a suavidade. Nem o nosso choque de atrito é ruim.

Daí eu divido o amendoim com você e com os patos do parque e paro de contar o tempo e largo o relógio de pulso em cima do criado-mudo e quem convive comigo já sabe do teu nome e do que você mudou na minha casa e de todos os quadros e dos filmes que a gente assistiu no fim de semana e bate aquele formigamento na pele que não dissolve e só aumenta e. Parece um chute nas bolas dado por uma criança enfurecida, sobe pelo estômago e ali fica, fica, incomoda, faz pesar o peito e o medo é bem assim mesmo, ainda mais aflito por pensar em perder você.

Eu jurava que as coisas tremiam ou moviam-se depressa demais, só pra justificar nada com nada. Até que encontrei você.

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