Ele não me quer


Ele comenta com o amigo de um amigo na cafeteria enquanto joga umas palavras no celular, diz “ele é fofo, não é?”, deixa essa interrogação no ar. Já houve um tempo em que eu me incomodaria com a afirmação da fofura, derradeiro destino daqueles que serão deixados de lado um dia. No meu dialeto antigo, fofo é a morte da atração sexual. É o urso que deixa de ser desejado pela figura imponente e se torna um filhote polar querido por ser fofo. Hoje em dia, não me abalo mais. Nem uso o mesmo dialeto. Convicções mudam.

Mas o fato é que ele me vê morno. Percebo quando analiso friamente a situação dos encontros que tivemos e da falta de retorno dele. Ele não sente vontade de falar comigo, não trocamos mensagens em dias úteis, não nos convidamos para jantares ou cinemas. Quer dizer, ele não me. Comento sobre os filmes em cartaz, ele já viu. Comento sobre buracos na agenda, ele não diz nada. Insisto e faço o convite, ele não pode. Nunca pode. Não quer, mas não me afasta.

Se tem uma coisa que aprendi nos últimos anos, essa coisa se chama “hora de bater em retirada”. A gente sente quando o outro não tem o menor interesse na gente, sente quando o outro só usa a gente como uma ponte despretensiosa pra chamar assunto quando está solitário. Nós somos, com sorte, seu décimo quinto lugar na lista de nomes que ele chamaria para um café. Com mais sorte ainda, entramos em quinto ou décimo na lista de nomes que seriam chamados pra transar num sábado à noite. Apesar dos bons papos, apesar do carinho, apesar dele ter pedido pra dormir de conchinha, apesar de um monte de coisas, ele não me quer.

E por que esse assunto agora, já que eu aprendi a hora exata de me retirar? É porque, estranhamente, eu não tenho me incomodado mais. A cada novo encontro, a cada novo cara que não me quer, eu levo menos expectativa na bagagem. Já sei que não vou virar a chave toda do fogão, seremos mornos. Cheguei a um ponto em que mal tenho vontade de sair de casa pra gastar dinheiro num jantar que vai me tirar da dieta e conhecer mais uma pessoa que não vai durar uma semana. Mas me dou a chance de conhecer gente nova. Até quando? Até esgotar essa vontade de fazer perdurar alguma. Porque se ele não me responde em dois dias, eu broxo. Se ele não tem aquela vontadezinha mínima de dizer como foi o dia dele, eu não pergunto. Se ele não aparece, eu sumo. E tá tudo bem com isso, eu sigo inabalado e com menos energia pros próximos. Porque já considero que vai ser mais um desses homens que não me quer. Ele não me. E eu também não faço mais questão, vou me virando como posso, gastando menos dinheiro em jantares partilhados, fingindo que a agenda tá cheia pra evitar o desgaste, me tornando um desses caras que também não quer. Mais um desses.

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