Viro o copo inteiro de cerveja pra ver se encontro um jeito de me virar sem você. Acho que isso tudo é desculpa pra não precisar parar em casa e ser pego de surpresa pelos detalhes teus, enquanto o silêncio me devoraria centímetro por centímetro. É que não há uma mesa de bar nessa cidade em que eu não tenha tentado preencher os meus vazios de você com álcool pra alocar a angústia. Você diria que isso tudo é errado e vai acabar me matando uma hora, mas eu já morri por dentro e você nem sabe. Então, tudo bem, digo pra mim.
Você não tem noção de como as coisas tem gritado por você lá em casa, meu bem. O canto do sofá que era só teu ainda guarda um pedaço teu. Você não faz ideia de como as coisas todas por aqui tem sido escuras e o quanto essa falta de luz me devora. Eu tenho vivido de tato. E essa é primeira vez em que viver de tato não é bom. Nas outras tinha você. Passava os dedos pela tua superfície e logo me encontrava. O breu não me devorava e me oferecia abrigo. Mas sem você eu sou vulnerável, meu bem, você não tem noção de como eu sou vulnerável. A bebida é só a prova disso.
Lembro que umas duas vezes já eu te contei sobre essa minha angústia e sobre o quanto têm sido difícil levar a vida sem você. Mas é que eu descobri uns fenômenos novos na noite passada quando despenquei a cabeça no travesseiro e me vi perdido enquanto olhava para os pés no meio da imensidão. A gente nunca sabe bem por onde caminha. Mas a gente sempre sabe o lugar aonde quer chegar ao fim do dia pra poder compartilhar as coisas da vida. E eu senti uma pontada aguda no peito quando olhei pro lado e não tinha você. Tinha angústia e euforia pra ser dividida, mas não tinha o teu ombro pra desabar. Não tinha o teu boa noite, boa vida, te cuida, fica com Deus. Não tinha você, porque você se foi.
Me desculpa se eu ando desorientado e a angústia escorre pelas palavras. Mas é que eu tenho falado de você com todas as vogais e consoantes que formam o teu nome. Com todo o carinho e com todos os planos que a gente jurava ter. Com todo fragmento de você que me completa de um jeito simétrico dos pés a cabeça, que nem o zodíaco conseguiria explicar. E eu tenho despejado toda a minha fé em umas rezas bravas que imploram pra você enxergar em mim um alguém diferente no meio desse bando de gente torta; pra ver se você percebe que talvez eu tenha esse jeito meio bobo de despejar a angústia na bebida, mas que ainda assim eu posso ser o tal alguém pra você; pra ver se você volta e eu encontro um motivo pra ser um pouco mais feliz.
Viro mais um copo de cerveja enquanto reporto um discurso embaralhado sobre o brilho dos teus olhos. Acho que tudo isso é uma desculpa pra não parar em casa e ser pego de jeito pelos detalhes de você. Porque no silêncio, meu bem, é a sua ausência que berra – você não tem noção como berra. E não há uma mesa de bar nessa cidade em que eu não tenha tentado preencher os meus vazios de você com álcool pra alocar a angústia. Mas é só isso o que eu faço: eu só tento. Porque nem isso tem graça se não tiver você.
Você também pode gostar desse assunto. Assista ao vídeo abaixo: