Não sou um pedaço de carne


Fui uma garota complicada. Desde sempre vivi aquele conflito: pensar, sentir, agir. E nessa fase sempre pensei muito certo, senti muito errado e fiz muita merda. E quando tentava consertar, era mais merda ainda.

Me lembro de quando fui dar meu primeiro beijo: eu tinha 14 anos, era carnaval e todas já haviam beijado. Não sei se é o caso de mais alguém que está lendo isso, mas sempre fui a última em tudo: no primeiro beijo, no primeiro fora, no primeiro pedido de namoro, a primeira a transar. (Aliás, onde foram parar aquelas garotas super dotadas que já nasceram com tetas, corpão e maturidade e que sempre chegavam primeiro que nós em tudo? Porque elas simplesmente evaporaram.)

Voltando ao meu primeiro beijo, eu tinha 14 anos e era carnaval. O nome dele era Rubens. Inicialmente, eu estava a fim do irmão mais velho dele (de 17 anos), mas ele não quis nada comigo e o Rubens quis. Como ele era a réplica perfeita do irmão, só que 2 anos mais novo, aceitei de bom grado.

Foram aqueles dias intermináveis, onde um mandava recado para outro através de terceiros combinando um dia X que seria o dia do desfile de carnaval. E chegou a hora. Eu, desde sempre tenho um sintoma bizarro de ansiedade: quanto mais ansiosa, mais calma eu fico. Então eu estava ansiosamente calma.

Lá fomos nós: saí de perto da minha mãe com a desculpa de conversar com amigas e aí ele veio em minha direção. Acho importante frisar que até aquele momento jamais havíamos trocado uma única palavra, a não ser através de terceiros (não existia internet na época). Foi bizarro! Ele parou na minha frente com aquela cara branquela, aquele cabelo escorrido e disse um “E aí?”. Eu não sabia o que responder ou fazer. Fiquei lá parada até que ele foi se aproximando, segurou minha mão delicadamente, deu mais um passo em minha direção ficando bem perto e me beijou. Assim que acabamos de nos beijar, mais que rápido, saímos cada um para seu lado e nunca mais nos falamos ou nos vimos novamente. Até hoje não sei nada dele e nem sei foi real, só sei que o desconforto que senti foi enorme.

Depois disso, tudo se tornou um tanto mais simples. Quer dizer… A parte de beijar garotos, porque aí vinha o pesadelo da primeira transa. O pesadelo criado justamente pela supervalorização do sexo. Se sexo fosse tratado como algo natural, seria como aprender a andar: os primeiros momentos seriam tensos, mas sem muitas cobranças, especialmente externas. Mas não é o que acontece. Geralmente nos preocupamos muito mais em como nossos pais vão reagir, em como seremos vistas socialmente, no que o garoto e seus amigos vão pensar do que pensar no nosso prazer, nos cuidar para evitar gravidez, doenças e coisas do tipo.

Comigo não foi diferente: “Tem que ser alguém especial, numa hora especial, num lugar especial”, além da força absurda que todos fazem para retardar esse momento ao máximo. Sinceramente, cheguei a ter medo de transar e, na mesma hora, estourarem rojões e aparecer escrito “Transou!” no céu, de tão especial que deveria. Aí minha mãe iria acabar vendo.

Eu ainda era bem virjona, mas escolhi o pior caminho para superar essa fase: pagar de descoladona. Caras, isso me custou muitas famas que eu jamais me atrevi a conquistar de verdade, mas era o preço que eu estava disposta a pagar só para ninguém descobrir que eu era a única virgem da turma. Hoje me arrependo amargamente disso, porque ninguém tinha nada a ver se eu era virgem ou não, e não sei porque gastei tanto tempo tentando provar algo para eles, se jamais me aceitaram como membro de sua sociedade mesmo. Enfim, eu ainda era virgem aos 17 anos.

E perdi minha virgindade jurando não ser mais virgem, senão não a teria perdido até hoje, acho. Namorei por 6 meses e aí resolvi que era minha hora. E foi. Claro que fiz aquele papel de bem resolvida, segurei a respiração, engoli a dor, fiz e aconteci. No fim, foi bom porque acabei tirando proveito desde sempre. No entanto, eu ainda era refém da supervalorização do sexo, já que até para perder a virgindade tive que fingir que não a possuía, já que era uma moça tardia.

Achei que estaria livre desta supervalorização, mas esse meu namorado nunca mais saía comigo para nada, apenas para transar. Ficamos juntos mais uns 8 meses até que desisti . Sofri, chorei, mas não deixei isso me consumir. Fiquei um tempo solteira e aos 19, conheci um rapaz da minha idade e começamos namorar. Depois de um tempo, transamos. E ele era virgem até aquele momento. Foi algo tão diferente do meu primeiro namorado.

Desta vez, o sexo era uma consequência de carinhos, conversas, beijos e provocações maliciosas. Era algo orgânico, fluente e não aquela obrigação que era no outro. Nós saímos sempre, ríamos, íamos a festa e, ao chegar em casa, transávamos, mas as vezes também dormíamos e só. Era bom, era terno e era normal. O namoro também não deu certo depois de alguns anos, mas foi primordial para eu me autodescobrir. Foi essencial para eu perceber que o sexo era parte importante, mas não fundamental. Quer dizer: claro que é fundamental, pois toda relação tem lá suas “sexualidades próprias”, mas quero dizer que não precisamos nos tornar reféns do sexo.

Nem do nosso sexo nem dos outros. Que não usemos o sexo como moeda de troca, como barganha para conseguir relacionamentos ou para mantê-los, pois o sexo é a primeira coisa que se “assenta” com o tempo de relação. Ele não morre, não amorna, ele apenas se adapta à rotina do casal, deixando de ser prioridade máxima, como era no começo.

Transar passa a ser algo a ser feito quando ambos estão mesmo dispostos (inclusive fisicamente) e não mais a desculpa para estarem juntos. Transar passa a ser algo quando dá vontade e não uma vontade que dá sempre.

Sexo é apenas sexo e se não tiver hoje, tudo bem… Podemos ter amanhã.

Quantas de nós, apaixonadas, acabamos transando sem vontade apenas para o namorado parar de insistir? Quantas vezes acabamos cedendo sem querer? E isso é supervalorização do sexo, porque se ele valorizasse o que sentimos, iria entender que não somos máquinas, que não estamos a fim naquela hora, mas que dependendo de como ele conduzir as situações e se importar com o que sentimos, passamos a estar.

Lembra daquela menina de 14 anos, confusa com o pensar, sentir e agir que eu disse que era no começo do texto? Pois é. Ainda sou aquela garota, do mesmo jeitinho, só que hoje tenho coragem de dizer que não quero.

Thatu

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