Eu deixei


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Eu te pedi carona e você perguntou se eu tinha algum tempo antes de ir. Eu disse que sim, cê me levou pra casa e me mostrou as coisas que você faz, aquelas coisas pequenas que a gente ama e acha que nem vale a pena contar pra alguém, mas vale, vale muito, vale tanto que foi ali que eu amei você pela primeira vez. Te amei no violão em cima do sofá, amei no quadro do Romero Britto na parede, amei o jeito como você caía na cama e brincava com o seu cachorro, e amei até na hora em que ele babou minha calça e você pediu desculpas.

No dia em que a gente se conheceu, você mexeu no meu cabelo.

E eu odeio que mexam no meu cabelo, mas deixei.

Você me liga e eu sei que as coisas não vão ser como deveriam porque eu avanço e você recua, só me mostra a casa por educação, mas eu sei que é um costume teu: abrir as portas quando o encontro pende pro lado bom da vida. Mas eu queria tanto, queria que você brincasse comigo como brinca com o seu cachorro. Calma, ficou estranho isso. O que eu quis dizer é que eu queria que você me olhasse e me tivesse por perto como o tem, que me deixasse subir na cama e deitar contigo sem restrição nenhuma de espaço, porque eu sei que você não o colocaria pra fora num dia como hoje, frio e tal, mas me colocaria.

No dia em que a gente se conheceu, você me falou que eu tenho medo do mundo. E talvez eu tenha mesmo. Tenho medo de que mexam no meu cabelo e eu goste, comece a gostar de coisas que antes eu repudiava por costume, comece a gostar de ver as coisas do alto, sabe? E do nada eu perca a companhia desses costumes, porque por mais que eu tenha aprendido a ir ao cinema sozinho, viver a dois não serve pra um só. A gente passa a existir no mundo como uma dupla e a fazer coisas feitas pra dois. E se, de repente, você não brinca mais com meu cabelo? Por isso é que eu ataco com uma sinceridade brutal que não é conveniente, faço aquele jogo do sincericídio, sabe? Tem coisas que eu nem precisava dizer porque te machucam, mas você retruca. Você é exatamente o tipo que me contraria, que me diz que o mundo não é meu e que eu não sei de nada. E é verdade.

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Você me olha e diz que os nossos signos não combinam e que você entende de libra. Entende tanto que me evita com um espelho, lendo tudo o que eu faço com uma explicação do tipo “ah, mas era previsível” ou “eu já sabia que você iria fazer isso”. Se sabia, por que gagueja? Por que age como se não tivesse as cartas na mesa? Porque você não sabe pra onde eu tô te levando, meu bem. Não sabe e só sabe que sou eu quando me encontra e me liga no dia seguinte e brinca com as coisas que eu disse. Quando pergunta se eu vou fazer alguma coisa no final de semana porque você tinha pensado em me levar no seu lugar preferido, mesmo que tenha que cruzar a cidade pra isso.

No fim das contas, a gente é só prosa. Falamos, falamos, falamos e nada acontece. Não que isso seja ruim, é claro. Mas é que eu me senti mais em casa no seu quarto do que no meu apartamento todo. Me senti mais cuidado com você brincando com o seu Boston Terrier do que me senti quando peguei um resfriado e meus pais vieram me visitar. Me senti mais invadido quando você abriu a porta da sua casa e riu pra mim do que quando roubaram meu diário. E é por isso que eu dou corda. Porque uma hora a gente se encontra ou a gente se enforca. Prefiro esperar pra ver.

No dia em que a gente se conheceu, você mexeu em mim.

E eu odeio que mexam em mim, mas deixei.


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