A última vez que eu danço com você


[Você pode ler este texto ao som de Be Here Now]

O momento em que você respira contra o meu ombro e eu penso que não é justo.

A sensação ainda persiste, tanto tempo depois. Ainda há certa quentura na minha pele quando eu passo os meus dedos por ali. A minha memória, que nunca foi das melhores, guarda as cenas daquela noite e as repassa, frame a frame, como se eu assistisse a um filme em câmera lenta.

Foi mais ou menos assim: Você com os olhos que não eram nem verdes nem castanhos (mas algo lindo no meio do caminho) entra no salão devagar, timidamente, e me mostra muitos dentes num sorriso que certamente não foi premeditado. Você caminha por entre as pessoas e beija uns rostos aqui e ali com a sua boca de lábios grossos, me prometendo com o olhar que logo seria a minha vez. E eu, engolindo um suspiro, não digo uma palavra quando você se aproxima o suficiente para que eu sinta o cheiro da sua colônia. O cheiro do seu cigarro (aquele que você não deveria ter fumado, mas isso fica entre nós). A última bebida que você tomou. Os resquícios dela contra o seu lábio inferior. Tenho vontade de tocá-lo com a ponta dos dedos. Tenho vontade de tocá-lo com a minha boca inteira. Acabo rindo sem graça; acabo me limitando a um abraço tímido.

As luzes no seu cabelo aloirado, pintando seus cachos de azul, vermelho, verde. Você mexe os ombros enquanto fala sem parar e eu não entendo uma palavra por conta do som alto. O que acontece depois é o seu rosto perigosamente próximo. Então você me diz qualquer bobagem e eu não entendo de novo… Mas rio. Rio porque rir sempre foi a melhor forma de contornar a minha vontade de chorar. Aí eu engulo, mando garganta abaixo a ânsia de enroscar meus braços no seu pescoço e pedir: por favor, eu. Por favor, me escolhe.

valsa

Você interrompe os meus pensamentos tortos e segura a minha mão. Eu te encaro com os olhos grandes. Você cola seu peito estreito ao meu peito largo. Tudo o que penso é no seu toque contra a minha epiderme coberta. Eu e você deslizamos no salão como se fôssemos para ser – como se algo, não sei se o destino ou alguma entidade comovida, tivesse decidido que aquilo era certo e natural. Que deveria acontecer.

Seu nariz contra o meu ombro. O instante. Meus olhos se fecham e repetem, repetem aqueles minutos de fim. Sua respiração passeia por mim como um fantasma, criando vida, se apertando contra os meus ossos. A música se encaminha para os últimos acordes enquanto você me beija a fronte e diz (e essas são as únicas frases das quais me lembro com clareza) que sabia que eu viria. Que não gostaria de dividir aquele dia importante com mais ninguém. E eu penso, enterrada na minha mania de manter a esperança nos momentos mais impróprios, que sei ler nas entrelinhas. Que talvez você tenha me escolhido. Que vai me fazer uma proposta obscenamente linda e me oferecerá dias numa cabana caindo aos pedaços, passeios bêbados na praia, horas de companhia silenciosa.

Então você se afasta e, como que numa ironia, o seu anel recém-colocado brilha contra a luz.

Juliana

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