Acende pra mim e fecha a porta. Ele não sabe que horas chega e codifica em reuniões as putas que come por aí. Tudo bem. Já me acostumei a usar os horários furados dele pra praticar fugas e vestir calças mais apertadas nas coxas e nas nádegas. Dá pra reparar que até o porteiro confunde meu nome quando eu saio pra ver você na não-tão-calada da noite. Eu quase uivo quando o lábio superior se afasta e meus dentes se mostram. Era pra ser um assobio, mas a coisa toda já tem som de luxúria, nem dá pra disfarçar com o ronco do motor do carro. Nem essa divindade masculina consegue abafar uns baixos gemidos que o meu corpo imagina. Calma lá, já tô chegando. Você gosta mais das curvas ou da estrada, meu bem?
Cansei de ser sozinha, ainda que eu tenha lá minhas formas de diversão. Ele nunca liga como você e nem me escreve quando eu preciso de atenção. Não entende de TPM e piora a coisa toda quando nega a fase dizendo que é desculpa minha pra descontar a frustração. Meu bem, ele não entende o tipo de vazio que a gente sente. Não sabe diferenciar os tons das coisas e daí você pode perceber como ele trata o meu tom de voz. Eu vivo em estéreo e ele pressiona o mute ainda que eu grite pela sala. A nossa relação veio com surround quebrado de fábrica. E ele ignora defeito, manual, ajuda, companhia, carinho e até meu lado puta. Puta de casa não funciona, é sempre dócil demais pra ele tentar domar. Ele nunca entenderia que uma mulher precisa de segurança porque a gente enxerga as coisas de cima de um salto. E essa nossa ambiguidade ainda vai nos levar à loucura, mas ele foge disso. Se diz normal demais pra encarar uma louca com anseios diferentes dos dele. Com ele eu só carrego o sobrenome nas costas. De quatro, numa cama de casal e tudo o que vejo quando olho pra trás é o sobrenome dele enquanto ele fica pela rua. Fora isso, eu me divirto sozinha e choro sozinha e finjo sozinha brincar de lar-doce-lar. Mas tem você.
Sou boa em baliza e nunca tenho problemas em parar no seu prédio. Depois de passar por uns três sinais vermelhos, eu consegui retocar o batom. Acho que o seu porteiro também percebeu quando o meu lábio superior se afastou um pouco e ele pôde ver meus dentes à mostra. Parou de me chamar de dona e me chama pelo codinome. Deve ser o hábito do regresso e me pergunto qual foi a sua cara quando ele perguntou nome e sobrenome. Não o dele, mas o meu, é claro. Ainda que seja falso, é mais real do que o que eu carrego nas costas. Só que ele não deve entender, assim como o meu porteiro não entende, os caras na rua não entendem, o meu marido não entende: de mulher.
E se tem um tipo que conhece de mulher, esse tipo somos nós mesmas. A gente sempre vai saber mais do que mecanismos. Eu, pelo menos, entendo de dinâmica. Entendo dos sons e de como a coisa anda só pela pulsação ou pela falta dela. Entendo de pelos arrepiados na coxa e de marca de batom no seu queixo, na nuca e as partes borradas pelo atrito da gente. Retoca e me toca depois? Dos calos nas mãos à textura adocicada do brilho de hoje.E abrir sutiãs é tão fácil que me pergunto qual o mistério da coisa toda. Dá pra gente se divertir com o meu inventário ou o seu. Depende do modelo que existe do arsenal da gente. Nossa relação veio com surround 2.0 e com frequências de rádio alinhadas. Você consegue me escutar e, se não me decifra, me sugere. Ele nunca faz isso. E ele também não entende da vaidade de um espelho e da espera. Da cumplicidade e dessa coisa da textura da pele. Ele me machuca e você me cura. O gosto dele é tóxico e o seu é doce.
Se tem uma coisa que mulher entende bem é de mulher. Ele não sabe que horas chega e eu codifico você como uma das minhas amigas. Já me acostumei a usar os horários furados dele pra praticar fugas e vestir calças mais apertadas nas coxas e nas nádegas pra você. Você também uiva quando o lábio superior se afasta um pouco e mostra os meus e os seus dentes e sorri.
Agora acende pra mim e fecha essa porta.
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