Ela vem e você repara é em você mesmo. Paralisia facial que estampa e repuxa os lábios num tique nervoso inesperado – que neurologista nenhum pode explicar. O espelho ri de como você contorce os lábios e amacia o nome de quem quer que seja com saliva carinhosa. É que a pronúncia vem com gosto de goma de mascar que não se acaba o doce. É meio chiclete pra quem ouve e pode fazer mal aos dentes por conta de algum desgaste repetitivo. Mas quem liga pra isso quando o sabor agrada e quando você brinca de fazer bolas com o sopro – e se diverte até quando a bolha estoura e prende tudo na sua cara? Assim mesmo: deixando explícito que a felicidade tem um quê de euforia boba.
Até o sorvete na camisa branca dela parece fazer algum sentido pra você.
E as músicas todas que ela diz que costuma escutar.
E os encontros são marcados por passos acelerados e espontâneos, e tropeços no percalço, e cadarços desamarrados, e mãos suando frio, e braço por trás das costas na tela grande, e as mãos na cintura pra guiar o caminho e conduzir pra mais perto, e um beijo demorado pra fazer durar mais o tempo – ou o abismo – da distância que se estabelece entre um dia com ela e outro sem.
Você carrega uma descrição minuciosa.
Sobre as pernas, sobre as coxas,
Sobre as telas que você nunca entendeu – mas que ela gosta,
Sobre o jeito com que ela morde as suas costas durante o sexo de manhã,
Sobre como os seus amigos deveriam conhecê-la,
Sobre todas as coisas – e sobre como ela consegue se encaixar em todas elas.
Mas perto dela você nunca sabe o que falar.
Você – e eu também – ficamos sem palavras. É que as danadas fogem da gente quando a gente mais precisa. Qualquer coisa que se diga vai soar miserável ou, no mínimo, ridiculamente engraçada no momento seguinte à pronúncia. Mas nós dois sabemos que não é preciso dizer muito, e é só olhar nos olhos. A sensação de estar apaixonado não pede ponto final, nem calmaria amorosa. É turbilhão sem palavras, sem teto de vidro, sem terreno fixo e pés fincados no chão. A gente voa alto. Fica a vontade de que dure pra sempre, e não só quando for terno. Por isso a gente usa três pontos: pra fingir que continua e pra suspender isso tudo no ar. Pra poder olhar pra quem quer seja enquanto a gente dá um breve suspiro e pensa que tirou a sorte grande – quantas vezes forem necessárias. E com o perdão da licença poética: reticenciamos.
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