Mais uma (estúpida) canção de amor.


Esgotei a composição no dó. Mas as partituras não encaixavam. Ajustei um pouco o violão pra ver se ele afinava na sua frequência. Mas até ele mesmo ria de mim com os sonidos baixos que soltava. Tentei uma batida, duas, três, talvez. Mas você não estava em casa e a porta continuava fechada. Fechei a melodia que foi feita pra ser a sua serenata. Composição minha com um pouco de você. Em cada linha e em cada tempo da música, dava pra ver que as notas de lá e sol tinham caído perfeitamente bem. Pra cada sol, um sorriso meu meio abobalhado. Pra cada lá, eu deixava um pouco de mi e si. Pra ver se a combinação dava certo fora da minha cabeça também.

As canções de amor – estúpidas canções, das mais abobalhadas – voltaram a fazer sentido. E nem precisaram de rimas pra isso. Eu me lembro de você em cada verso, e no refrão também. Os gêneros variam, mas é sempre você. Todas elas têm uma certa monomania de manter você como tema central. Desenvolvem os traços pontilhados do seu rosto na minha imaginação. Surrupiam desabafos acompanhados de olhares para o telefone e noites mal dormidas, por causa desse batuque musical que dita o ritmo do meu coração. Aceleram os meus nervos com solos de guitarra e me fazem delirar quando a voz encosta no meu ouvido, e eu penso que é você.

E o problema é encontrar espaço na composição pra escrever sobre você. É que a tua melodia é mais badalada que essa que eu inventei. E essa só cai bem pra quando somos você e eu num único acorde. Pra quando você dá aquele sorriso tímido de cabeça baixa, e desprende o olhar do meu – por vergonha. Pra quando pula de um lado pro outro numa pista de dança e não faz ideia nem sentido do que diz, mas a gente segue a batida. Pra quando você me repreende antes que eu diga algo que você tem medo de ouvir. Mas a letra da música tem o mesmo efeito de todas as outras que eu ando escutando: você. É que agora tem você até quando eu fecho a porta e dou bom dia pro porteiro. Tem você quando o trânsito não irrita mais e quando eu chego cedo no trabalho. Tem você quando eu escolho o filme certo e quando a noite acaba bem. Tem você até num beijo na testa e uma vontade inevitável de te ligar pra dar boa noite.

E todas as canções, inclusive essa, tocam meio que no mesmo ritmo. É a sua voz que fica na minha cabeça, e no fim do dia é sempre tudo sobre você. Desde Beatles aos Hermanos, desde Caetano às bandinhas de garagem que só eu conheço – ou achava que conhecia. É que elas não faziam sentido nenhum e eu gastava os assobios por aí. Agora elas têm coerência, precisão e correspondência. Não importa se o conteúdo é clichê ou se levou uma pitada de Chico Buarque. Cada pedaço do som esmiúça um sentido diferente e acompanha esse tum, tum, tum. Dispenso o violão e monto a serenata mesmo com grito, bateria e guitarra. É que pra falar de você não precisa de coerência musical. Não importa se as rimas são pobres ou se faltam tempos nas cifras. É sempre assim. No final das contas, o amor é sempre uma estúpida canção pra quem ouve. Mas faz um sentido tremendo pros bobos que cantam.

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