Vamos fazer um filme?


Vamos levar nossos filhos na escola enquanto a gente aparece num panorama de 360 graus. Vamos editar trilhas sonoras com os tapes que a gente fez um pro outro durante a revolução do nosso quarto nos anos 80. Vamos vestir novas roupas como se fossem nossas e espalhar um ar vintage pela praia e pelo parque. Vamos repetir entradas e saídas, rebobinando a fita sempre que for preciso recuar ou avançar pra cima de você. Vamos transformar o nosso enredo em samba-enredo, em roteiro-enredo, em casa-enredo, em nosso enredo. Vamos perder ligações telefônicas com clichês de toques polifônicos. Vamos encontrar um jardim secreto, um labirinto e uma utopia.

Vamos deitar no sofá e enquadrar as nossas reações em preto e branco. Vamos nos estender para pegar o bonde andando e nos conhecer na porta de um café. Vamos fazer convites indecentes que morrem na boca quando a gente se encontra. Vamos fazer sexo na chuva sem morrer de frio. Vamos fazer demônios de neve no calor e passear por quartos escuros sem pânico nenhum. Vamos achar o culpado pela fotografia e pedir para revelar a foto pra gente. Vamos torcer para que nos enquadrem em cenas diferentes e que não cortem o nosso laço. Vamos começar tudo do final pra dar um ar não linear à nossa narrativa.

Vamos morrer de amores e comprar venenos. Vamos falar de política e nos rebelar contra um sistema bem em frente ao computador. Vamos ser da década de 20, de agora ou do futuro. Vamos prever catástrofes e usá-las no nosso romance ficcional. Vamos juntar as crianças numa mesa de jantar e usar roupas elegantes. Vamos sufocar um ao outro com o travesseiro e justificar com um lance passional clássico de algum movimento psicodélico. Vamos chamar um diretor ultrapassado para contar a nossa história. Vamos ser minimalistas ou dramáticos, meu bem?

Vamos deixar a câmera pra lá e nos preocupar mais com o movimento do seu cabelo. Vamos dar as mãos e escalar a Torre Eiffel como quem sobe escadas. Vamos viajar no tempo para recuperar o nosso início quando os créditos do fim estiverem quase subindo. Vamos grafitar nossos nomes na pele para que todos saibam quem nós não somos quando a cortina abrir. Vamos deixar essa estrutura engessada para lá e nos divertir com tudo isso. Pegue o seu vestido, o meu paletó retrô e a felicidade de bastidores que as histórias não contam. Taque fogo no roteiro e no set de gravação para fugir da rotina. Esperneie se os seguranças não deixarem você levar os nossos fãs de mentirinha. Suba o prédio mais alto e arrisque a vida lá de cima. Deixe uma carta no meu portão e vá embora sozinha. Vamos supor que você esteja com tédio em casa e leia a minha proposta de vida. A gente pode seguir esse script ou fazer uns barcos para deixar à deriva. Vamos marcar amanhã e conhecer minha família. Eu me apresento pra sua casa e você pra minha. Vamos torcer para que a gente se encontre por aí algum dia. E daí vamos fazer um filme.

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