Crise


(Ao som de “Warning Sign” )

Uma vez me disseram que a pior coisa que pode acontecer a um homem é a solidão. Bobagem, meu bem. Eu me dou bem com a solidão e ela se deleita com a minha companhia. Nem meu trago noturno nem eu abrimos mão da companhia um do outro por achar que ser só é ser infeliz. Isso é bobagem que dizem por aí.

Mas nesses últimos minutos eu me peguei pensando em algo maior do que a minha literatura de vida. Pensei sobre o que poderia ser a pior coisa no destino de um homem. Destino. Essa palavra aparece um pouco equivocada naquilo que eu acredito, naquilo que eu vivo. Como eu posso pensar em destino se acredito no livre-arbítrio ? Você vai me dizer que eu sou um completo louco egoísta. Eu só te digo que eu acredito que temos vários destinos e são as nossas escolhas que vão nos levar a eles. Eu realmente acredito nisso, meu bem. E não me tire a única coisa na qual acredito enquanto passo por esse momento tão sem convicções.

Não é a idade que está chegando. Não, longe disso. Sou jovem o suficiente para ainda fazer idiotices adolescentes e velho o bastante para dispensar um bom sexo ocasional só pela preguiça de me envolver em mais uma relação vazia e sem acréscimo de vida. Também não é a minha aparência. Não, muito menos isso. Sou arrogante o bastante pra dizer que não só estou satisfeito como também sei que consigo chamar a atenção dessas garotinhas de 20 e tantos. Essas da sua idade, com suas mentes brilhantes e suas vontades passageiras. Essas mesmas que acham que já são mulheres sem nunca terem passado por alguma provação na vida.

Minha conta bancária não poderia ser mais prazerosa. Consigo extrair dela todos os meus desejos, sejam eles pecados de gula ou luxúria. E o reconhecimento que a minha alma narcisista tanto buscava também é bastante saciado pelos aplausos e prêmios na minha estante. Filhos eu nunca tive e tenho certeza que não é isso. Se fosse, adotaria a primeira criança com o sorriso bonito e os olhos de esperança que eu visse pela frente. Amor ? Não, não pode ser. Foram tantos anos me convencendo a fazer escolhas que priorizassem a minha carreira que, logo agora, não calharia de acontecer uma coisa dessas.

Eu me endureci, meu bem. E você sabe que criei esse monstro mundano pra me proteger de meninas como você. As mulheres nunca foram minha grande preocupação. Com elas eu sempre consegui o que queria e sempre me desfiz do que não queria. Mas, com meninas, as coisas são bem diferentes. Vocês têm um jeito de olhar o mundo que não pode ser considerado normal. Vocês sempre enxergam além do que se espera. Eu me lembro da vez que perguntei qual era o seu maior sonho e você me disse que era nunca deixar de sonhar. Achei uma bobagem aquilo. Uma infantilidade sua. Mas não conseguia deixar de ver a beleza por trás dos seus olhos marejados e do seu sorriso tímido quando olhava pra mim. Se quiser confessar um dia, eu aceito a sua confissão. Mas já adianto que sei que seu sonho era nunca deixar de sonhar ao meu lado.

Arrogante, estúpido, convencido, egoísta e… apaixonado? Não é que eu nunca tenha me apaixonado antes. Mas eu nunca pensei que eu amaria alguém. Se é que isso existe, porque eu não sei sentir amor. Eu não sei sentir nada que não tenha relação com o poder, com a ganância, com a energia de tomar decisões. E você desistiu agora há pouco de tentar me ensinar tudo isso. Tudo isso que eu neguei um dia e decidi tomar como desnecessário pra mim. O problema? É que assim que você entrou naquele avião com seus olhos marejados de raiva e ternura, com seus cabelos loiros cobrindo as tuas bochechas rosadas de pavor e medo por ir embora… Assim que você me deixou, eu percebi o motivo disso.

Foram horas bebendo café gelado porque você não gostava de queimar a língua. Foram noites viradas no telefone rindo da sua rotina de faculdade enquanto você não entendia nenhuma das estatísticas que eu contava. Foram frases e fases pra te defender dos meus amigos idiotas que te chamavam de barbie e que diziam que eu só estava me divertindo. Foram dezenas de “eu te amo” que ouvi de você e nunca consegui responder. E agora, só agora, com você indo pra tão longe de mim é que eu entendo o motivo dessa crise.

Eu te disse uma vez que não conseguia chorar quando era criança e que isso só piorou com o tempo. Você me chamou de frio e disse que acreditava em mim. Que acreditava em nós. Eu apenas ri. E no meu riso você encontrou felicidade, dizia você. É, meu amor, agora eu sei o sabor azedo de uma lágrima. Eu pensava que era mais doce dependendo do motivo. Mas só me dei conta do que era quando levei as mãos ao rosto e vi descer essa gota fria. Senti o seu sabor ao avesso: você me escapando de todos os nossos beijos e abraços, de todo sexo das sextas, de todo toque do meu dedo frio na sua pele clara.

Agora não adianta mais. Eu sinto muito por não ter te parado, por não ter te segurado. Eu sinto muito por não ter dito que te amo como se eu dependesse disso pra viver. Sinto muito pela confusão que te fez ir embora. No exato momento em que o avião decolou, eu senti uma coisa que eu não sabia que era capaz de sentir: certeza. Certeza de que a solidão não é a pior coisa que pode acontecer a um homem. Certeza de que a pior coisa que pode acontecer a um homem é viver uma vida sem amor. E, pra mim, a pior coisa que podia ter acontecido era viver a vida sem você.

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