Você é o maior dos meus clichês


[Você pode ler este texto ao som de Christmas Card from a Hooker in Minneapolis]

– Taças de vinho não foram feitas para voar.

Contrariando a boa educação que seus pais te deram, com direito a uma temporada em colégio suíço (e da Suíça só sei das imitações baratas de relógio que um ambulante vendia na rua da minha casa), você fez com que a taça voasse logo acima da minha cabeça para encontrar seu fatal destino: a parede – antes branca, agora manchada em tons que oscilam entre roxo e, veja só: vinho.

Não ouso te chamar de louca – até porque sabemos que isso, para mim, sempre foi elogio. Era loucura que procurávamos quando nossas pernas se trançaram naquela noite quente e úmida, ainda que hoje, nessa tarde fria e seca, você admita que eu fui longe demais, que não é bem assim, que vou morrer sozinho e que, puta que pariu, eu devia parar de rir.

Eu tentaria cessar o riso, te prometo, se achasse que a tentativa não seria em vão. O problema, veja, é que a ironia está escancarada demais para ser ignorada. Ainda assim, você não enxerga. E faz o que qualquer cego de primeira viagem faria: usa as mãos para se guiar. E guia, como só você sabe, a mão esquerda no lado direito do meu rosto.

Quando abro os olhos, ainda sentindo parte do rosto queimar, você ri. E, sabendo que nada me faz mais feliz que a sua risada, encerramos a tarde nos amando e odiando – deitados, sem nada que cubra nossas vergonhas – que nunca foram vergonhas para nenhum de nós.

Sei que, assim que o cansaço me derrubar, ficarei sem vê-la por muito tempo. Meses se passarão sem que eu tenha sequer uma recordação. O cheiro do seu cabelo vai embora do travesseiro dois ou três dias depois da sua partida, independente do que eu faça.

Encho a cara de mágoa e bebida ruim para tentar te esquecer. Falho, como já era de se esperar, e bebo mais – e isso não é novidade para você, certo? Foi da tua boca que ouvi aquela frase desgraçada – que sou o maior dos clichês. Tão óbvio e tão previsível que não poderia sequer servir para um roteiro de filme ruim.

É essa lembrança que me faz seguir em frente, toda vez. Me perder em outras pessoas, em promessas rasas, copos vazios, risadas falsas e orgasmos exagerados. Não é fácil, mas acontece. Tudo parece resolvido.

É nessa hora que você reaparece e traz tudo de volta. Cabelo vermelho, unhas roídas e meia arrastão rasgada. Parece igualmente feliz e preocupada por ter voltado, como se estivéssemos vivendo o mesmo dia de novo, e de novo, e de novo. Como alguém que não consegue acordar de um sonho – que tem tons de pesadelo, vez ou outra. Em uma das mãos você segura uma taça de vinho tinto, cheia até a boca.

A parede, que já não é branca há muito tempo, está tão pronta quanto o lado direito do meu rosto.

lucasbaranyi

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