Tô sentindo um vazio no peito, sabe?


[Você pode ler o texto ao som de We Don’t Talk Anymore]

Hoje eu acordei com uma sensação muito estranha no peito.

Parecia frio, mas o sol queimava lá fora. Achei que era inverno, mas olhei no termômetro da praça, aquele que a gente via da janela, e marcava 30 graus. Impossível. Eu não sentia aquilo.

Tomei um banho. Lavei o cabelo, ensaboei o corpo e acabei esbarrando o braço no box de vidro. Fez um barulho que me lembrou você. “Ai”. Aquele cubículo era apertado demais pra nós dois, né? Mesmo assim, sei bem dos sorrisos que vivemos ali. Mesmo assim, não ouvi o “ai”. Não senti o aperto, o toque, o calor. Parecia ter espaço demais ali.

Desliguei o chuveiro e a água parou de cair. Fui para o quarto, coloquei aquela camisa de linho que você gostava. Só quando eu a abotoava me lembrei do dia que eu a vesti em você. Estávamos naquele lugar escondido do museu onde só íamos nós. E por mais que não esperássemos frio aquele dia, ele veio e eu esquentei você. Eu e a minha blusa de linho, que parecia justa demais em mim.

Comi aquela pizza que tinha sobrado da noite anterior, quando eu achei que você viria, em vão. Saí pelas ruas quentes da cidade, mas não consegui transpirar. Fui para o trabalho, e não fiz nada além de ver passarem os minutos e a noite ocupar o dia. Abri minha caixa de e-mails, mas nenhum deles parecia importante. Atualizei o celular a cada cinco minutos esperando novas notícias, que não vieram. Ou erram guerras, ou eram mortos e feridos. Tudo parecia cinza. E eu já estava de saída, quando esbarrei com um homem de jaleco que estava no elevador. Foi ele quem falou primeiro. Disse que eu parecia pálido.

– Você não parece bem… O que houve com você?
– Eu não sei. Não dormi bem. Acordei pior. Tô sentindo um vazio no peito, sabe? Parece que esqueci algo importante para trás, mas eu chequei tudo. A certeira, o celular, o cigarro. Não consegui concentrar no trabalho. Até alface no almoço de hoje eu comi, doutor. Só não consegui sentir nada de bom.
– Já sei o nome disso, rapaz. E não tem remédio, viu. Ou é ressaca, ou… É saudade. E das bravas…

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