Sobre os cacos de uma Mulher-folhetim.


[Você pode ler este texto ao som de Never Let Me Go – Florence & The Machine]

O desespero é comum no meu dia a dia com ela. Ela vira de costas – e eu sei que promete a si mesma nunca mais voltar e nunca mais girar a maçaneta a meu favor. Os arranhões abertos no meu braço são a prova da visceralidade dela. Tão intensificada que não cabe na própria história e resolve invadir a minha – com pólvora, saliva e um pouco de dor.

Ela não respeita a privacidade das portas fechadas. Desliza pelo banheiro como se ninguém existisse ali – nem ela mesma.

Acho que ela despreza a sua própria presença e odeia a sua companhia. Mas, pra não ser mesquinha, finge conviver bem com os fantasmas da sua cabeça.

É uma dessas mulheres que não cabem em si mesmas. Tem manias comportadas e desejos íntimos que representam perigo a qualquer um que esteja num raio de distância inferior à raiva dela. Ninguém nunca sabe o que ela sente – e, se sente, o motivo de tanta amargura e de tanta compaixão quando mistura lágrimas ao sangue das tentativas frustradas de ir embora de vez. Se eu me corto sem querer com a lâmina de barbear, ela se corta pra conseguir algum torpor animalesco. Não sabe lidar com a falta, e muito menos com a minha ausência. E só se encontra nos frascos sem receituário que consegue de maneiras ilícitas. Para além dos frascos, um outro mundo de pequenas doses de sossego.

Respira fundo. Rasga a pele. Fecha os olhos. E vê o mundo que conhece se deslocar prum lugar muito distante do que ela está acostumada. É o seu jeito de encarar as coisas e de admitir que não tem solução.

Meu bem, eu tento te proteger de você mesma. Você é uma dessas bombas-relógio prontas para explodir a qualquer momento. E eu tento, em vão, te desarmar. Cortar os seus fios vermelhos antes que você nos exploda por aí e acabe de vez com o que resta de duas almas saturadas pelo tempo e por essa coisa que a gente explica como obsessão.

E, num ímpeto de loucura, ela some. Alguns diriam que é a parte mais consciente e coerente dela. Eu procuro em todo canto. Todas as vezes. Nas mesmas ruas e nos mesmos becos movimentados. As luzes da cidade se apagavam, mas eu tinha a certeza de que os olhos dela não se fechavam. E imaginava coisas. O escuro só representa perigo pra quem tem alguma dívida com as vozes da cabeça.

Acho que nós dois somos sempre pegos na armadilha das suas fugas. Eu, entorpecido, me desoriento por aí gargalhando em altos tons e desconhecendo você em rostos e saltos e cores de batons que não são seus. As caras borradas que me olham parecem ter medo de mim. Será que você também se sente assim durante a nossa obsessão? Achei beijos que não eram seus e não pertenciam a outras mulheres-folhetins. Só que eu sempre te encontro. Parada exatamente no ponto de largada. Esperando colo, algumas palavras e o sono conjunto que vem pra trazer o nosso tormento de volta.

No fundo, eu e você sabemos que eu não te tenho. E nem você mesma é dona de si.

Você é uma dessas mulheres-folhetins do Chico. No pior sentido do termo. No extremo mais perigoso da coisa.

Você nunca foi feita de estar. Você é feita de ir.

 

 

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