Quando eu me apaixonei por você


Quando eu me apaixonei por você, as primeiras coisas que chamaram a minha atenção foram os seus olhos, sempre tão expressivos, e as suas mãos. Sim, as suas mãos de dedos longos, de unhas achatadas e sempre um pouco afiadas demais. As suas mãos, grandes como você inteiro, me fizeram pensar em afagos sob os cobertores, em cachos presos entre falanges, em qualquer coisa que acalentasse – talvez você segurando o meu rosto, talvez você arranhando de levinho as minhas costas quando estivéssemos prestes a adormecer. Minha imaginação é fértil e talvez um pouco obscena (e eu nunca me senti nada menos do que orgulhosa por conta desta minha propensão de criar cenas e suntuosos enredos a partir de minúcias), admito que fantasiei, desde o primeiro momento, com toques bastante específicos. Digamos que, se você tivesse me beijado e enroscado nos braços e me mordido a garganta e arrancado minha blusa no momento em que nos conhecemos, talvez eu não tivesse me visto tão embasbacada pela sua presença e pela forma como você fingia não se importar com nada. Talvez essa sua ausência de ação inicial não tivesse me feito implorar pela sua boca na minha, pelo seu abraço de mãos bem abertas e pelos seus dentes na minha carne, tampouco derrubado a minha blusa aos seus pés.

As pessoas fantasiam com coisas curiosas, eu acho. Tem quem crie planos e mais planos para uma vida inteira por causa de palavras (o que tem as palavras, no fim das contas?); tem quem construa castelos em cima de meia dúzia de beijos. Eu particularmente acho hoje que nada diz mais a verdade do que aquilo que não costumamos ver. Eu me acostumei a contar com o discurso da sua íris e com a forma como os seus dedos reagiam aos estímulos do ambiente: quando você estava excitado com algo, apertava as mãos em punhos; quando você estava irritado, cravava as unhas contra os joelhos ou as esmagava na carne magra de suas palmas. Sempre que queria fazer menção de que estava prestando atenção em cada verbo que eu pronunciava, você afagava os nós dos seus dedos, numa carícia longa, preguiçosa e quase gentil. Acostumei a colocar meu olhar para baixo; não para demonstrar minha pequenez, mas em atenção a você. Eu conseguia saber tudo o que você nunca me diria apenas observando o movimento dos seus dígitos e a impaciência dos seus pulsos.

O seu pouco falar e as suas sobrancelhas erguidas me eram de pouco valor porque eu descobri que não precisava contar com nenhuma destas coisas para saber o que se passava no seu interior. Te disse umas duas ou três ou vinte vezes: eu sei o que você está pensando. Sei que quer voar no pescoço daquele homem ali do canto – ele parece com o seu pai, eu sei, há quanto tempo você não o vê mesmo? Sei também que quer esfregar a minha fronte pra ver sair a maquiagem, que quer me atirar na mesa e arrancar os meus cabelos e esmagar o meu crânio pra ver se a sua raiva de ter sido abandonado quando tinha uns doze anos de idade passa.

Quero ir embora, você diz. Quando me atira no carro, eu abaixo os meus olhos e sei que você acha que isso é submissão, mas não é. Quero saber o que as suas mãos me dizem, já que o rosnado por entre os seus dentes tortos só me conta que você é um animal. Suas palmas estão já em carne viva. Eu peço: por favor, tenha calma. Quando eu me apaixonei por você – se lembra de quando eu me apaixonei por você? Por favor, se lembre de quando eu me apaixonei por você -, eu soube que você sentia dor. Você não precisa me fazer sentir dor para abrandar o seu pranto.

Eu me apaixonei pelos seus dedos longos e pelo jeito como achei que logo você aprenderia a demonstrar amor com as mãos. Pensei que minha devoção a você tiraria de seu corpo, esse corpo grande que se atira agora na minha direção, trinta anos de memórias destrutivas. As palavras, meu bem, as palavras são tolas – e eu não sei se acredito ou se quero acreditar quando você diz que não vai acontecer de novo, que foi sem querer, que você está tentando mudar por mim (e só por mim, de tanto que você sente). Eu olho para as suas mãos e comprovo de novo que vocábulos são sons que se propagam pelo ar… e nada mais.

O fato se repete: quando você estampa sua palma, vermelha de sangue, na minha bochecha roxa, eu tento fingir que este é seu jeito de me beijar. E me pergunto, silenciosa, quando é que você me beijará pela última vez.

 

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