A gente já sabia


[Você pode ler este texto ao som de Bob Dylan]

A gente já sabia. É, a verdade é essa: a gente já sabia que tinha prazo de validade quando começou isso tudo. Eu até lembro que quando decidi que ia tomar novos ares, pensei “não tenho nada que me prenda aqui mesmo”. Aí pouco depois você veio, bagunçando todos os planos que eu tinha feito e mesmo assim minha vida nunca pareceu tão no lugar.

Acontece que eu nunca fui o tipo de cara que sabe trabalhar com prazos, se você ainda não notou isso, bate um papo com meu chefe que ele te conta. Faço mais o tipo que anota a data pra entregar o freela e vai protelando até as horas finais do dia do deadline. E parece que nosso deadline também tinha chegado.

No início da tarde você deixou um pouco mais alegre um dia que tinha tudo pra ser triste quando me mandou uma mensagem no celular dizendo que tinha driblado a aula que você tinha de noite e aceitou meu convite pra jantar. Eu nunca tinha levado uma garota pra jantar antes de você. Pânico.

Me arrumei e saí de casa tentando não pensar que aquela podia ser a última vez que fosse ver você, afinal de contas, no outro dia de manhã já teria acabado o nosso tempo. Por que foi que eu demorei tanto a te encontrar, hein?

Fiquei com isso na cabeça até você chegar. Marquei de te encontrar na livraria do shopping porque consigo me camuflar no meio dos livros e peguei um livro do Henry Miller pra folhear enquanto você não chegava.

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Cê chegou e eu não tinha mais olhos pra nenhum livro daquela livraria, cê usava aquele vestido azul que eu tinha elogiado outro dia, aquele, com uns bordados que te deixavam parecida com uma personagem dos livros da Anne Rice. Precisei de uns minutos até pensar em algo pra falar. Você adiantou as coisas e me deu um beijo.

Eu não percebi, mas você já tinha pegado na minha mão, me levado pelas alas, deixa que eu te conduzo, eu deixo, vamos lá. E eu já tô começando a treinar a fazer as coisas com a mão direita porque não quero tirar seu toque da minha mão canhota nunca mais.  Durante o jantar cê me disse que gostava de ver estrelas, eu falei do Dylan, você me recomendou dois livros e eu te fotografei com as retinas. De novo, por que foi que eu demorei tanto a te encontrar, hein?

No fim, sempre no fim, você me arrastou pro terraço do shopping e (nós provavelmente infringimos alguma lei), mas eu não estava me importando porque eu preferia fugir lá de cima e cair em queda livre com você do que me despedir logo.

Eu não sabia que o terraço de um shopping na Barra da Tijuca podia ser um lugar memorável. Mas você e aquelas estrelas me mostraram que eu não sabia de muita coisa. Cê disse teu signo e eu esqueci de anotar, importa mesmo é que cê lembre que eu sou de lua, mas nada disso atrapalha a gente, prometo.

Pulei lá de cima. Não literalmente, mas parecia que eu tinha me despendido quando te deixei no ponto de ônibus e fui pra casa sem nenhuma poesia tua. No caminho pra casa, eu só conseguia ficar lembrando da frase do Henry Miller que eu li na livraria: “A melhor maneira de esquecer uma mulher é transformá-la em literatura.”

Me desculpe, Sr Miller, mas eu me dou o direito de discordar. Faz dez minutos que nos despedimos e eu to aqui, escrevendo sobre você, não porque quero me despedir, mas por pura saudade.

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