Menina da Vitrine


[Você pode ler o texto ao som de The Girl]

Eu já cansei de dizer que não sirvo para relacionamentos contemporâneos. Não sirvo pra essa forma de amor que inventaram no século da pressa. Quem sabe há décadas atrás, onde não existia esse imediatismo nem esse descontrole emocional que balançam todas as relações que as pessoas tentam estabelecer. Mas tem tanta gente bem no mundo. Talvez seja uma questão de ponto de vista. Ponto final e vista fechada para qualquer tipo de relacionamento que eu tente.

As pessoas andam muito exigentes. Não adianta mais dar uma flor, mostrar que gosta, responder mensagens na hora exata de sua chegada. Hoje em dia a gente tem que prometer que vai ser a pessoa da vida de alguém. E não me peça pra fazer promessas que não dependem de mim para serem cumpridas. Eu gostava mais da época em que tudo fluía naturalmente. Meninos envergonhados e meninas que sabiam disfarçar muito bem o que queriam. O primeiro passo sempre meio desengonçado, sempre meio tímido. Até o mais corajoso dos guerreiros já tremeu enquanto caminhava em direção a sua suposta amada. Meninas sempre meio charmosas, sempre meio receosas. Um sorriso na boca quando recebiam um elogio e ouviam “psiu, sabia que eu gosto de você?”.

Vai ver é por isso que eu me apaixono toda vez que passo pela rua do comércio e observo as lojas que falam de amor. Não são cafés com casais nem livrarias com os últimos lançamentos de romances internacionais. Não, são vitrines transparentes que mostram mais o nosso reflexo do que um espelho qualquer. E das vitrines dá pra ver alguns rostos um pouco petrificados (talvez assustados pela forma com que se dão os relacionamentos de agora). Eles resolveram parar no tempo e eu paro todos os dias em frente a uma loja charmosa no canto esquerdo da travessa. Tem as portas vermelhas e adornadas com ouro e tem um banco bem à frente da sua vitrine principal. O curioso dessa loja é que ela tem uma menina na vitrine. Nem duas, nem quarenta, só uma menina bonita com movimentos congelados mesmo.

Eu gosto mais da menina da vitrine, sabe? Ela fica ali parada, servindo de modelo, um exemplo para quem passa na rua. Indefesa, ingênua, um tanto quanto caricatural. É uma moça bonita, não se pode negar. Se mostra um pouco frágil, com uma expressão de quem sorri e de quem chora. Expressão nenhuma que me parece mais viva do que muitas expressões por aí.  Vive esperando alguma coisa. Não sei se me espera ou espera outro. Não sei nem se ela espera alguém realmente. Costumam dizer que a menina da vitrine vai ficar ali pra sempre. Sempre trocando de roupas, de maquiagem, de sapatos caros e de adereços. Mas ela vai ficar sempre na mesma posição esperando alguém chegar para tirá-la dali. Ou, quem sabe, um dia ela desista e resolva cair aos pedaços. E depois disso, ela é guardada numa caixa lacrada e entrega sua esperança a uma nova menina da vitrine que virá em seu lugar.

Eu acho que a menina da vitrine é mais esperta que todos nós. Ela não espera, não quer ser resgatada, não quer um amor desesperadamente. Ela só observa. Observa as pessoas que passam por ela, observa seus reflexos e as expressões que fazem quando a veem e analisa cada gesto de um possível candidato a tirá-la dali. A maioria dos que passam querem apenas despi-la, levar sua roupa embora e deixá-la plantada numa esquina sem dignidade nem final feliz pra contar. Não, ela é esperta sim. Ela observa e vive todos os reflexos de formas diferentes. Acho que ninguém a impressionou tanto a ponto de fazê-la ter vontade de levantar de novo e sair andando por aí. Descongelar seus movimentos e voltar pro jogo. E a gente se parece nesse sentido. Nem eu, nem ela servimos para relacionamentos contemporâneos. Mais do que desacreditados, somos também muito exigentes para os padrões atuais. A gente quer mais que promessas vazias ou sonhos românticos. A gente quer pessoas de verdade, mesmo que elas estejam expostas em vitrines que ninguém vê.

Eu não sei dizer ao certo, mas acho que já faz mais de um ano que eu vou à loja e vejo a menina. Ela não mudou nadinha de quando eu a conheci. Talvez algumas trocas de roupa e umas bochechas mais avermelhadas. Mas ela continua lá à espera do dia em que vai se decidir por alguém. Enquanto isso, eu me apaixono mais e mais por ela.

E tenho quase certeza de que, enquanto eu escrevia essas poucas páginas, a menina sorria pra mim. Vai ver ela resolveu descongelar.

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