O que o Secret realmente me revelou sobre as pessoas


Essa semana foi palco para o Fenômeno Secret, uma projeção do que poderia ser a Terceira Guerra Mundial da Gerações Y e Z, caso ela acontecesse. Um aplicativo denominado Secret, cuja função nada mais é do que abrir espaço pra que o usuário conte segredos e veja os segredos dos amigos, amigos de amigos ou desconhecidos em modo anônimo, causou furor e muita polêmica. Eu me aventurei a entender o aplicativo quando vi que meus amigos tinham baixado.

Eis a minha história com o Secret.

Nosso relacionamento conturbado durou aproximadamente 24 horas. Entre boas risadas com segredos bobos, memes e outras coisas saudáveis, o app também me gerou uma boa dose de irritação. Pior que ex, o filho da mãe apitava a cada 5 minutos com notificações dizendo que algum amigo tinha compartilhado um segredo. E como a curiosidade é um mal ordinário, logo eu estava postergando alguma tarefa importante para ler segredos de amigos e tentar adivinhar de onde vinham. Em pouco tempo a coisa foi tomando proporções absurdas: nudes de conhecidos, segredos vazados, acusações inóspitas e um bando de #secrets negativos dando nome, endereço, telefone e todas as informações privadas de outras pessoas.

O que era pra ser uma brincadeira se tornou um pandemônio. Meus amigos e conhecidos começaram a se defender e declarar repúdio ao aplicativo. Brincadeira sem graça, diziam. Brasileiro tem uma péssima mania de estragar um aplicativo, ouvi. Vou entrar com um pedido judicial pra descobrir quem foi o culpado por isso, frase replicada por dias inteiros no meu Facebook. Mas, muito além de segredos numa onda Gossip Girl, o Secret revelou algumas coisas bem claras sobre as pessoas.

O primeiro olhar que tive sobre a questão foi sobre como as pessoas jogavam a culpa no “aplicativo idiota”. Como tudo no mundo, ele tem uma função e uma sugestão de uso. O problema não é a tecnologia, mas o uso que a gente faz dela. Como bem disse um amigo meu: “a culpa não é de nenhum app, é de quem tá entre a tela e o teclado”. Durante toda a história da humanidade, o problema nunca foi das coisas, mas do lado humano que as utilizaria posteriormente. O Secret mostrou que a gente tem sempre um lado bom e ruim muito exacerbado e que a máscara do anonimato nos permite liberar demônios escondidos e fazer a festa com o que a gente sabe dos outros.

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Daí a gente cai em outro ponto importante: os segredos mais ultrajantes e perigosos vinha de amigos de redes sociais. Isso foi o que causou um sem número de acusações, brigas, discussões e afins. É bem claro aqui aquela ideia de que a gente sempre pode se ferir mais com quem a gente gosta, conhece e confia do que com pessoas com quem a gente não se dá bem. Laços afetivos são grandes armas, se forem vistas com olhos maliciosos. Isso quer dizer que é melhor a gente parar de se relacionar e confiar nos outros? Não. Tem muito chão ainda pra gente dar de cara. Nunca vai ser culpa sua escolher confiar em alguém um segredo. Teu sentimento, teu laço desenvolvido, tua percepção pelo outro é sincera. O que ele faz com isso é mais um problema de índole e caráter do que de escolhas burras e pessoais tuas. Ah, aproveitando esse papo de culpa, a onda dos segredos que revelavam fotos, nudes e outras coisas de conteúdo sexual levantou novamente a questão do porn revenge. Gente. até quando as pessoas vão realmente achar que foi bem feito por ter tirado a foto e mandado pra alguém? É a mesma lógica – crua e cruel – de quem diz que a culpa de um estupro é da vítima dele. Repito aqui: você não tem culpa alguma por manter laços afetivos com alguém e confiar nessas pessoas. Pessoas são dotadas de autonomia, vontade, capacidade cognitiva e bom senso para saber o que fazer com as informações que têm umas das outras.

Trocando de assunto da água pro vinho, nas breves 24 horas em que estive fervorosamente presente no aplicativo, um outro lado que vi me emocionou bastante. No meio de tanta gente querendo destacar os erros e acertos do outro, tinha gente tentando jogar uma boia para tentar se salvar do afogamento. Vi supostos amigos confessando doenças graves como câncer e HIV e pedindo ajuda. Vi pessoas confessando sinais de depressão, medo da vida, abusos sexuais, problemas financeiros e muitas outras coisas que geralmente passam batidas no mar de gente que a gente encontra todos os dias. Pra essa gente, o aplicativo serviu de grito no escuro pra botar pra fora o que tinha ficado preso na garganta. E me surpreendi mais ainda com os comentários nesses segredos: muita gente dando força, palavras de motivação e contato para que a pessoa pudesse se apoiar em ajuda na vida aqui fora também. Muito mais do que chacota ou humilhação, vi nesse tipo de confissão um monte de gente que ainda mostrava seu lado humano, bondoso e solidário no meio de uma invenção robótica. E, talvez, enquanto muita gente se preocupava em se defender de difamações cotidianas, outras pessoas puderam ser minimamente salvas de passar a vida – ou o presente – engasgadas com situações dolorosas as quais tinham medo ou vergonha de contar pros amigos. Me serviu de alerta para prestar mais atenção nos problemas dos meus amigos e não esperar para que eles tenham que gritar por socorro num mundo desconhecido pra que eu possa ouvir.

Vendo isso tudo, retomo o que disse no início do texto. A tecnologia pode ser uma benção ou uma maldição, mas isso depende de como nós vamos usá-la. Parte de nós, dos nossos princípios, da nossa vontade e do que a gente está disposto a fazer. Medindo o lado bom com o ruim, eu vi que poderia permanecer no aplicativo procurando por situações como essas para tentar ajudar mais gente. As notificações em grande volume infelizmente me desanimaram e desinstalei o aplicativo e a curiosidade junto dele. E mesmo em apenas 24 horas, o Secret me revelou uma boa lição sobre as pessoas. Sim, o inferno são os outros. Mas o paraíso também é.

bovonew

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