Boa noite.


(Ao som de “Quase sem querer”)

Algumas histórias que eu li não me diziam como agir no caso disso aqui chegar aonde chegou. Nem adianta pensar em recorrer aos amores de filme também. Dessa vez é amor de verdade, amor de frio, amor de esperar na esquina. Baixar meus olhos pra ver as tuas costas nuas deitadas e calmas no meu cobertor. Sentir as tuas mãos adormecidas nas minhas enquanto eu acaricio o travesseiro e uma parte do teu cabelo com cuidado pra não te acordar… Foi sempre o que eu esperei de um amor de verdade.

Acho engraçado conseguir pensar nisso agora, com você dormindo e totalmente à mercê de qualquer ação. Alguém me disse um dia que todo mundo se torna frágil enquanto olhado dormindo. Ô, meu bem, você se torna forte. Você se torna mulher. E não é qualquer mulher. Você me mostra – calma e frágil – que você não precisa de mim pra nada. E ao mesmo tempo precisa de mim pra te olhar e, ao invés de te julgar com todo tipo de pensamento, me ponho em xeque e analiso o que houve comigo. Ô, menina, eu respeito o teu ritmo. O leve pulsar do seu coração e a música que vem da tua respiração.

Você segura as minhas mãos de leve enquanto dorme, já percebeu? Me deixa solto pra ir embora caso eu queira, mas sabe que eu nunca deixaria você aqui. Não que eu não possa fazer isso. Eu só não cogito de maneira nenhuma te deixar pra trás. Você já virou personagem daquele livro que eu não acabei ainda. Daquele livro que eu estava escrevendo no café quando nos conhecemos. Eu levantei atrasado e esbarrei em você. Meu wayfare preto e minhas lentes embaçadas não te chamaram a atenção nem um pouco, lembra? Você achou graça das minhas bochechas vermelhas, do meu rubor, da minha vergonha. Não é porque eu sempre fui estabanado. Não, meu bem, com aquilo eu sabia como lidar. Mas esbarrar numa menina de vestido azul-cor-de-céu que usava um laço vermelho nos cabelos era algo com o qual eu não sabia lidar. Nós dois, tão novos e tão perdidos.

Foi então que você me encontrou. E eu nem lembro mais qual foi a primeira palavra que eu disse ou o primeiro alô que você me deu. Eu escrevi um livro inteiro dedicado a nós. Mentira. A história é inteiramente sua. Pode me acusar de plágio se quiser. Eu não ligo. Vou ter as memórias, as fotografias, você… Os registros que eu bolei não são importantes perto disso. Ô, amor, faz tão pouco tempo que você me encantou. Confesso que no início eu me achava bobo demais pra você. E te achava séria demais quando ria e quando cantava alguma música de Los Hermanos no violão. E até quem me vê lendo jornal na fila do pão sabe que eu te encontrei. Você percebeu o quanto a gente mudou?

Eu não consigo mais me ver como aquele menino magrelo de canelas mais finas ainda. Não consigo mais me ver como um estudante de Letras frustrado por não haver faculdade de poesia. Não me vejo mais como um moleque, um menino, um garoto. Você me fez homem por sua causa. Eu cresci em cada beijo, em cada briga, em cada rubor, em cada mensagem, em cada espera. Eu cresci por cada dose de vodka no bar da esquina, por cada chuva que deixava as nossas roupas encharcadas, por cada filme ruim que você me obrigava a assistir. Eu cresci por você e por mim também. Não que isso tenha sido uma exigência sua, mas cresci porque cada minuto contigo era uma vida. E cada eternidade tinha que ser repetida. Eu preciso de um big bang a cada raiar do sol. De uma eternidade a cada despedida.

Pra te dizer a verdade, eu não me canso de escrever essa carta de hoje. E saiba de antemão que você não vai lê-la tão cedo. É pros agradecimentos do livro que eu estou escrevendo. Aquele mesmo sobre você. Espero que o mundo entenda quando eu contar a eles que seus olhos não são castanhos, mas cor de mel. E se eles não entenderem, bobagem. Não vão entender mais nada, nem do início, nem do final. Talvez seja porque do nosso amor é a gente quem sabe. Talvez seja porque eles não entenderiam se eu dissesse outra dessas coisas de amor. Mas eu quero que eles entendam que estou tentando mostrar a eles quem você é pra mim. Porque eu consigo te ver em cada parágrafo desse texto, por maior e mais infinito que ele seja. Mas… Pensando bem, talvez seja melhor que eles nunca saibam quem você é. Pode ser um pouco de egoísmo meu, mas não quero que eles te descubram. O meu medo é que eles te achem tão maravilhosa quanto eu acho e queiram te descobrir mais. Nem eu mesmo te descobri por inteiro ainda.

Decidido: vou te guardar pra mim. Vou te manter aqui até você acordar e me fazer te descobrir mais um pouco. Ou até você deixar que as nossas eternidades se acabem. Mas acho melhor eu apagar a lâmpada antes disso. Antes que eu te acorde do sono e eu não consiga mais vê-la tão profundamente.

E o destino dessa carta? Ah, meu bem, um dia você vai saber.

Boa noite.

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