Quando eu ainda tinha você


É inverno em São Paulo. Essas pessoas caminham nas ruas com suas jaquetas de couro rasgadas-e-comidas compradas na 25 de Março, com fones de ouvido que só funcionam de um dos dois lados, com seus bilhetes únicos de dias contados. Eu sou quase uma delas, não fosse o erro de sair de casa sem olhar a previsão do tempo e passar frio com uma camiseta preta de algodão que mal aquece o peito e descobre os braços, que mal aquece as costas e que me lembra você.

No inverno passado, eu saía todos os dias checando a previsão. Foram dias de 9 a 12 graus e a cidade era outra. Até cachecol eu tinha, e os curitibanos riam do meu coração quente demais pras ruas de lá. Eu ria de como os relógios do Batel acertavam os ponteiros na saída do trabalho pra tua casa. Sempre marcavam 18:18 e mais uns minutos pra porta abrir e pros casacos pesados caírem no braço do sofá e pra eu cair nos seus. Você era verão e eu era outono, tudo dentro de casa era primavera mesmo sem flores e abelhas e mel e a fauna e a flora que desenham os entornos da estação.

Gostava de como você se parecia comigo de manhã. Eu bocejava e estendia as mãos, teu peito tava ali num compasso parecido com o samba-raso do Cícero, esperando eu te acordar antes do despertador. Você odiava o fogo no parquinho que era o despertador. Eu secretamente amava a cena. Teu corpo saindo arrastado da cama, contra a luz, o contorno da tua bunda beirando as cortinas, tateando a maçaneta, os cachos em selva, a barba em juba, você leão-menino ainda sedado esperando a hora de atacar.

Eu secretamente adorava todas as cenas que envolviam você e as cores que contrastavam com o lado de fora.

Os curitibanos riam de mim e mal entendiam as melodias que eu assobiava perto do fim do expediente. Tá chovendo lá fora, por que você tá feliz? É verão aqui dentro, gente, mesmo eu sendo outono. E eles riam. Devo ser louco. Devo ser mesmo. Fui louco até que os dias frios passaram e deram lugar às folhas e deram lugar às flores que deram lugar aos ventiladores que deram lugar a uma sensação estranha de você não querer mais grudar teu corpo no meu porque sentia calor demais. Você era verão e eu era outro, tudo dentro de casa era estranho mesmo sem fim e brigas e pratos quebrados e silêncios longos e novos beijos e camas vazias e coisas do tipo que desenham os entornos da situação.

Eu secretamente ainda adorava todas as cenas que envolviam você e as cores que eu já não via mais do lado de fora de uma janela de avião.

É o meu primeiro dia de inverno em São Paulo. E também é inverno dentro de mim.

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