Eu queria falar sobre as nossas dores


[Você pode ler este texto ao som de Take Me To Church]

Se tem um hábito comum – e bem problemático – meu é o costume de sair atrasado por querer prolongar as horas na cama. Acordo sempre com a impressão de que fui sedado, numa névoa confusa que quase me faz pisar nos gatos saindo da cama. Meu chefe, obviamente, é a pessoa que mais odeia esse hábito, logo depois da faxineira lá de casa que espera que eu saia logo pra que ela comece os trabalhos. Tento recompensar os dois com uma caixa de bombons no fim do mês. Vai que adoça as coisas, não é?

Hoje eu não acordei atrasado.

Hoje eu acordei duas horas antes, sem a sensação de estar sedado, porque não conseguia dormir. Geralmente tomo três boas canecas de café ao longo do dia, duas aspirinas, 3 litros de água e como alguma coisa no meio termo. Passo o dia batendo os pés debaixo da mesa, numa inquietação agoniante de quem tá procurando alguma coisa, sempre procuro, sempre bato as pernas, talvez você me entenda. E como a gente preenche o tempo que sobra se a gente nunca o teve? Da mesma forma que a gente preenche a falta de um amor que sempre esteve ali: não preenche, a gente só tenta substituir as horas vagas com alguma atividade nada importante.

Saí de casa com duas horas de antecedência e parei numa padaria cara que não vale metade do dinheiro, mas paga o silêncio. Existe um quê de teatral em pedir um macchiato duplo e alguma coisa pra comer enquanto se lê um livro no meio de uma cidade grande como São Paulo. Isso me lembra dos livros que li, dos filmes que vi, numa denúncia simples de que existe algo de errado. Perceba: pessoas sozinhas em cafés caros que pedem alguma coisa enquanto anotam ou lêem estão sempre fugindo de algo ou carregando um fardo. Sempre.

Paro pra pensar sobre as duas horas de vantagem do tempo e sobre a noite passada. Não balanço as pernas, não me sinto inquieto. Ela me disse que eu guardava tudo e que era só chegar perto de mim pra ouvir o tic-tac. Pronto, bomba-relógio sentimental. Nunca duvidei disso, mas ouvir dela em prantos que eu deixava passar tudo e ela não conseguiria viver com uma tela em branco, que uma hora eu iria morrer sufocado por falar nada, que uma hora eu seria o meu próprio fardo porque ela tava cansada de me carregar… ouvir dela foi o mesmo que escrever sobre isso. Vomitado, ensanguentado, sem filtro nenhum. A violência sentimental de quem ama a gente é brutal quando sincera, e um tanto quanto cruel também.

Não consigo pregar o olho numa cama vazia.

O travesseiro não me abraça, o edredom não acoberta a solidão.

Pago o café e vejo um rapaz sentado perto da porta, anotando alguma coisa e lendo Caio na outra mão. Entendo a dor. Não sei se foi a namorada ou se foi a mãe, não sei se foi o namorado ou se foi o melhor amigo, não sei quem o abandonou (ou se foi ele mesmo quem decretou partida). Não entendo do fardo alheio como entendo do meu. E vejo abelhas, o cara se contorce e não solta o livro, abana uma das mãos e tenta mandá-las embora, avança e recua sobre elas até levantar da mesa com estardalhaço. Ele tenta, joga o café fora, não tem mais nada doce morando ali. E elas continuam avançando, devorando, ameaçando ferroadas. E ele tenta mandá-las embora. Não entendo do fardo alheio. E nem ele entende que não adianta balançar os braços, tentar expulsar as coisas com alarde nem pagar um café caro num lugar silecionso pra botar as coisas pra fora. As dores dele são como as abelhas, com o único (e maior) agravante de já estarem dentro dele, de já terem dado todas as ferroadas, de fazê-lo sentir cada uma delas o tempo todo. Eu entendo.

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bovonew

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