Foi amor


[Você pode ler este texto ao som de Breathe Me]

Amor foi quando você baixou as mãos no nosso segundo encontro e encostou timidamente seus dedos nos meus. Foi a forma como você se inclinou pra direita pra fazer caber o meu braço em volta do teu quadril, rodando o corpo um pouco pra se encaixar em mim na saída do cinema. Foi quando você me levou num píer abandonado pertinho da praia num dia nada bonito e eu não sabia bem o que esperar, só sabia que você já tinha ido ali com outra pessoa e isso me incomodava um pouco, sabe? Me incomodava que alguém pudesse ter sentido o que eu senti, pudesse ter feito o que eu fiz ou até mais, me incomodava saber dos seus fantasmas. Amor foi quando eu senti tudo isso e você me mostrou o céu enquanto encostava no meu peito, no píer, com as mãos na água como se prometesse baixinho que eu poderia ficar por ali uma vida inteira.

Amor foi aquela nossa viagem no fim de julho pro litoral e todas as selfies que a gente tirou no meio do caminho. Foi a almofada que você me deu quando eu bati a cabeça na porta do seu carro e nunca mais consegui dormir direito sem quase quebrar o pescoço. Foram os empurrões no stand-up paddle e o splash beijado que você me dava toda vez que eu me atirava n’água logo atrás de você. Foi o porta-retratos na minha mesa do trabalho e o elogio do chefe de como, puxa, eu era um cara de sorte e os olhos dela te fazem um bem danado, hein? Faziam um bem danado, abertos ou fechados, desde que eu pudesse atravessá-los até chegar em você. E me lembro bem que foi amor quando eu remei, nadei, até aprendi a fazer umas acrobacias subaquáticas pra te pedir desculpas por tudo. Amor foi aquele cartão borrado e cheio dos meus garranchos que te dei quando não tinha flores.

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Amor foi a fatia grossa de torta que a gente pediu no The Baker’s logo depois de comer salada. E a dieta da proteína da outra semana, a ortomolecular da próxima e todas as segundas que a gente passou de cara feia um pro outro sem saber que era fome. Foi o saco de lixo com uns papéis importantes que você botou pra fora, porra, cê podia ter perguntado se eu ia precisar de alguma coisa dali, né? Eu precisava e não adiantaria de nada você ter perguntado porque eu nunca reparo nos detalhes. Teria visto a pilha em cima da mesa e despachado, assim como eu vi as coisas todas e deixei de lado, em algum canto do meu quarto desarrumado, nem fiz questão de botar pra baixo do tapete. E amor foi quando você trancou a porta do quarto porque eu disse que não ia voltar naquela noite. Nem na outra, nem na próxima noite e em semana alguma. Foi quando você tentou desmarcar uns compromissos enquanto eu mantinha a agenda fechada e dizia que não posso hoje, desculpa, vamos tentar na semana que vem? Amor foi quando você continuou ligando e até me comprou presente de aniversário quando a gente finalmente se sentou pra discutir. Foi quando você pediu pro garçom não trazer gelo – porque eu tava doente – e me entregou um casaco pra me aquecer – porque já passava das 22h e eu não precisei dizer um pio pra você descobrir minha gripe. Foi quando você me contou o que tava fazendo e riu de como me conhecia nos detalhes, quando confessou que sabia que tinha algo de errado e que eu não era mais o mesmo, foi quando você podia ter me deixado, mas me deixou na porta de casa e disse que esperava que eu ficasse bem.

E eu só vi isso tudo quando você foi embora. Porque aquilo também foi amor.

bovo

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