Quando você se atira na água


[Você pode ler este texto ao som de Tennis Court]

A primeira sensação é de espanto. É como se algo que você nunca previu ou alguma coisa na qual nunca acreditou finalmente acontecesse com você. Os pés ficam batendo um pouco na soleira do deck e você passa a respirar num ritmo mais controlado – você não quer ser lido.

A segunda sensação é a que faz começar o turbilhão. Como uma revoada involuntária de pássaros selvagens, a sua cabeça tenta organizar as coisas depressa pra levantar vôo. O instinto de proteção sugere a fuga rápida e sem planejamento aparente. Corre, cara, você vai se ferrar se ficar por aqui.

Logo em seguida, bate a percepção de que o porto acaba à frente. Só existe um mar gelado e pouco cristalino, com águas turvas que não refletem o seu medo de pular. Olha pra um lado, olha pro outro. O céu já vai se tornando escuro e as coisas começam a ficar complicadas. Você precisa ganhar tempo ou buscar recursos. Procura por bóias ou botes e não acha. Procura por uma fuga pra estrada e sente como se algo prendesse seu pé direito num instinto-âncora inesperado. Tem que se jogar ao mar ou deixar o escuro te engolir enquanto o tempo passa.

Você não sabe nadar e também tem medo do escuro.

Algo acontece. Não de repente, mas gradualmente, você se dá conta do desafio e tenta se decidir. Olha pro peito, põe a mão do lado esquerdo e sente arrepio. Bateria desordenada. Boom. Algo explode. Você ainda não descobriu o que é. Já não tem mais tempo e as coisas vão passando mais rápido. O farol apaga, a noite cai, o escuridão engole o porto e então você.

Um pouco longe, do outro lado da praia. Você consegue enxergar e abre um sorriso. O caminho escuro, o terreno desconhecido, o mar assustador que não se deixa ler. Alarga o sorriso. Seu corpo é o barco e o escuro é o corpo desconhecido do outro.

E você se atira na água pra descobrí-lo.

No fim, se apaixonar é quase igual a um acidente de barco. Leia as cartas marítimas, siga firme com o timão e prepare-se sempre – mesmo despreparado – pra casos de naufrágio. A vista submersa do mar pode ser bonita. Ou você pode se afogar.

bovo

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