Sobre passado, pontos cegos e o perigo de deixar pontas soltas na vida


Eu costumo andar desatento por aí enquanto mexo no meu smartphone. Entre uma olhada pra frente e um tweet, alguns deslizes quase me levaram a cenas trágicas – ou cômicas, como você preferir – no meio da rua. Dentre as atividades rotineiras causadas pela minha falta de atenção, tropeços e esbarrões se tornaram os mais constantes. Num dia quente desses de março, eu dei de cara com uma placa de caminho bloqueado. Ah, que droga, vou ter que voltar um quarteirão inteiro! Girei nos calcanhares com a mesma desatenção anterior e quase fui pego por um carro saindo do estacionamento. Depois do susto, de cair no chão e de ver meu celular espatifado (e com a tela arranhada no asfalto), percebi que não olhar pra trás antes de se mover pode ser realmente perigoso.

Na maioria das vezes eu simplesmente decido me mover. Não importa bem a direção, mas acho que uma das máximas que a gente conhece na vida é a de que estamos em constante movimento. Isso pode ser interpretado de várias maneiras: pode ser um pontapé de auto-ajuda pra seguir em frente ou um empurrão. De todas as formas, acho que nunca enxerguei movimento como algo retrógrado, mas sempre em direção ao futuro. E acho que não só eu, mas muita gente também pensa assim: a gente ignora bastante o passado e foca em seguir em frente. Bem, isso pode ser um erro tremendo.

Muitas falhas minhas vieram de coisas do passado. Nas vezes em que encontrei um aviso de caminho bloqueado eu percebi que precisava revisitar as coisas que já tinha vivido pra entender como passar por aquilo. Nossos traumas, nossas marcas, as cicatrizes, tudo isso são elementos que a gente carrega gravado no corpo. Por mais que a gente esconda, troque de lugar, coloque roupa por cima ou mude a direção dos acontecimentos, eles vão continuar gravados na gente de alguma maneira. Então, vai chegar uma hora em que a gente vai se deparar com um movimento involuntário, algo que empurra pra trás e faz dar um daqueles giros nos calcanhares. É um alerta de que a gente precisa entender o que deixamos pra trás pra abrir caminho pela frente.

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Ignorar o passado não é o mesmo que resolvê-lo. Percebi isso quando vi que problemas idênticos se repetiam, que pessoas antigas ainda me faziam mal, que velhos costumes nunca mudavam. E isso é meio complicado de se enxergar mesmo, de perceber essa ligação entre passado e futuro, perceber como um afeta o outro.

Quando tomei a brava decisão de olhar pra trás, vi que existiam muitos pontos cegos na trajetória. São coisas que a gente tenta ignorar ou que ficou tão escondido que não dá pra ver. Essas coisas, esses pontos, geralmente são as nossas grandes âncoras. Pode não ser a curto prazo, mas um dia, alguma coisa mal resolvida do passado vai te puxar pra baixo e te fazer parar. Vai ser como o carro que tava saindo do estacionamento e que nem deu tempo de ver o que tinha me atingido. Por isso, assim como eu, você vai ter que parar e resolver se quer deixar essas pontas soltas – evitando sempre que puder o passado e tomando sustos esporádicos – ou reorganizar as coisas dando fim a elas. Algumas só dependem de você, outras são traumas e marcas que vão ter que ser encaradas com determinação pra vencer o medo que prende.

Talvez essa seja a verdadeira perspectiva do que significa estar sempre em movimento na vida: ir e voltar, analisar estratégias pra quando os caminhos forem bloqueados, resolver as pontas soltas e minimizar os pontos cegos. Abraçar o que há de vir e se movimentar pela sua vida sem medo de cair de surpresa no meio da rua sempre que tiver que olhar pra trás.

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