Cartas pra Você | Ainda Lembro


 

O “Cartas pra Você” é um projeto de cartas escritas por Daniel Bovolento, que são contadas e interpretadas por Olivia Dias. O elemento principal é a forma que o texto ganha quando contado por quem vive a história.

Dê play pra ouvir o texto interpretado por Olivia Dias 

É por você que eu me deixo levar até quando as minhas convicções são inabaláveis. Eu fico aqui com essa cara de boba olhando o relógio de cinco em cinco minutos e me permitindo vestir essa fantasia de boba, de alegre, de inocente, de esperançosa, de mulher que ama. Eu te espero faz um tempo, desde a última vez que você foi embora e nunca mais deu notícias. Você sempre foi assim, inseguro o suficiente pra sumir sempre que as coisas estavam muito bem. E sempre foi menino o bastante pra querer voltar quando faltava só um pouquinho de nada para eu finalmente esquecer do seu rosto, da sua barba, do seu cheiro forte de perfume italiano que me deixa sem ar quando está por perto.

Minhas amigas disseram para eu parar de me iludir. Eu sei que é ilusão e por isso mesmo é que eu não tenho medo. Sei que não posso esperar nada de você além do de sempre: a despedida. Mas vem pra ficar comigo um dia e continuar esse jogo que eu não sei onde vai parar. Meu Deus, será que eu sou tão previsível assim a ponto de você saber que eu sempre deixo a porta aberta quando você me liga pra dizer que vem? A gente não funciona junto, não dá certo junto, não foi feito pra estar junto. Mas eu cismo em forçar a barra e ver se você fica de vez, por esperança ou por vontade de poder usar a sua camisa social verde que cai tão bem em mim. É você e sempre vai ser você.

Sempre vai ser você que vai me dar um sorriso de lado e me deliciar na sua simpatia espontânea. Nesse jeito de fazer as coisas meio erradas, meio certas demais. Nessa cumplicidade e na forma com que o teu abraço me engloba e me deixa sem escapatória. Vai ser sempre você o meu menino. Vai ser sempre você que fica e vai embora e me leva junto e me faz voltar pra você mais uma vez. E essa confusão toda me deixa feliz.

Me deixa sentar no sofá da sala e ligar o vídeo game pra nós dois. Colocar aquele jogo que você gosta e perder de propósito (como se eu precisasse) só pra te ver com os olhos brilhando tentando me consolar da sua vitória. Você sempre ganha nesses jogos. Principalmente nos jogos de amor. Me deixa ser tua por um dia inteiro mesmo que seja só pra gente brincar de correr atrás do outro na grama do quintal. Os vizinhos vão me olhar com tristeza, com pena. Vão dizer que eu não aprendo mesmo. Alguns vão me chamar de louca, aqueles que não conhecem minha história principalmente. Outros vão tentar me dar a mão e perguntar por que eu choro tanto e sorrio tanto ao mesmo tempo. Eles torcem pra que algum dia eu acorde disso tudo.

Vai ser difícil acordar. Perceber que eu corro atrás de memórias no jardim e que o choro faz parte da sensação de saber que você nunca mais vai voltar. Repetir esse ritual de te acordar das minhas memórias todas as semanas e até ouvir o som de um carro que nunca mais parou aqui na porta de casa. Ligar o vídeo game pra dois e jogar sozinha imaginando como seria se você estivesse aqui. E perder mais uma vez. E perder de novo como toda semana eu perco ao reconstruir no meu mundo um mundo que já não existe mais. Alguns deles vão me chamar de louca e dizer que eu preciso de ajuda pra parar com essas coisas de reinventar o passado. Mas eu tenho certeza que eu só preciso de você pra transformar as minhas memórias em sonho de novo.

olivia

Texto anteriormente publicado no Entre Todas as Coisas. Clique aqui para ver o post original.

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